apolo e jacinto, 4.
naquela negrura, apenas o mar era ouvido, ronronando tranquilo, como um filhotinho de leão.
uma luz distante principiou a se fazer mais íntima das coisas. primeiro, a torre, brilhante, depois os metais, os muros mais claros, como se um deus invisível soprasse uma imagem que surgisse aos poucos. os negros das janelas se fizeram mais negros, porque as paredes do castelo embranqueciam. a figura inteira aparecia como num milagre. já se podia ver, através das seteiras, o movimento cansado do sentinela indo e vindo. e, ao voltar-se, sua sombra não era tão pálida como na ida e, ao retornar, já sua sombra se desenhava ainda mais nítida, acompanhando fiel cada movimento, não mais difusa, não mais medrosa, mas consciente, total, plena, encompridando-se, entrando pelas frestas, quebrando-se, dobrando-se, aproximando-se ou estirando-se rápida até o vale perdido na neblina, cada vez mais compacta. porque já o sol se mostrava totalmente.
os ruídos pareciam acompanhar aquele acordar dos olhos. primeiro, apenas cantos esquecidos de pássaros distantes, vestígios de uma canção perdida. depois, aqui e ali, agora e depois, mais frequente, mais perto, os martelinhos, os chiados, os zumbidos, os pipilos, os sussurros, cochichos, trinados, berros, metais, águas, passos, gritos, mugidos, as rodas de uma carroça e a galinha passa correndo, cacarejando aflita, para não ser esmagada pelo veículo desengonçado.
o machado caiu, a serra cortou, o martelo fazia penetrarr nos cascos dos cavalos os cravos que segurariam as ferraduras. e quando, vez ou outra, o castelo em uníssono silenciava para respirar e tomar fôlego, se ouvia longe as vozes dos camponeses e o dolente canto das lavadeiras na curva empedrada do regato.
teófilo abriu os olhos. olhinhos verdes, faiscantes e transparentes como esmeralda, vigiavam seus movimentos. o menino levantou-se e quis sair.
espera! o que aconteceu?
precisamos arrombar a porta. ninguém atendia e o avô ordenou que entrassem à força. você estava morto. a senhora quer que a chame assim que você acordar.
espera! calma!, menino! vamos por partes. eu estava morto?, você diz.
não. quer dizer… quando eu entrei atrás deles, vi que estava morto, sangrando, nu.
nu?
o avô zangou comigo: saia, intrometido! mas eu fiquei atrás do seu padre e vi tudo. o padre disse que não estava morto, eu jurava que estava. meu avô me viu novamente: seu xereta, quer levar um cascudo? ali da porta não dava pra ver direito.
seu avô. mas quem é seu avô?
seu conselheiro.
ah, é o neto de hans. luis, não é? está muito escuro, não te reconheci. você cresceu bastante. pois muito bem. ah!, sinto uma espécie de dor. espera, não vá ainda. quero saber do resto. ouviu o que disseram?
meu avô me viu junto à porta e me xingou. então eu me escondi debaixo da mesa. eles saíram pra chamar a senhora. foi então que eu vi aquele buraco.
buraco?