apolo e jacinto, 2.
o pai de teófilo havia ensinado como anular os mecanismos das cinco portas pelo lado de dentro. bastaria enfiar no orifício da pedra um pequeno bastão, que impediria a subida do eixo do anel. não foi difícil encontrar pedaços de madeira. fechou as quatro saídas e, vitorioso, voltou à biblioteca, saindo pela última passagem secreta. sentia-se agora dono absoluto das galerias escuras, como se se sentisse também dono absoluto daqueles sete prisioneiros. pretendeu voltar lá, mas teve medo. voltou aos seus aposentos, junto da mulher. deitado, ficou a olhar o teto enfumaçado até que os passarinhos começaram a cantar ao longe. ela se levantou. saiu.
as traves estavam sujas. o pensamento seguiu um traçado de fumo, esbarrou na teia da aranha paciente, deslocou-se num salto para a porta, onde surgiu alio, o criado. fechou os olhos e fingiu sono. o jovem aproximou-se suave, olhou-o e se foi.
Seria bom ficar sem pensar nada. Seria bom esquecer, apagar, destruir uma imagem indesejada, que penetra rápida e de forma vil, como a serpente cheia de veneno. um torpor, uma confusão.
e, no entanto, ele sabia que, daí a pouco, como uma bolha de um pântano, a verdade ia subir e estourar, esbofeteando-o.
Poderia dormir mais, é um sono estranho em que não consigo me apagar. Apenas vozes veladas e visões fugidias que se evaporam quando fixo meu olhar dormente.
não seria uma bolha, seriam muitas que subiam, dizendo coisas confusas, segredando tropeções inevitáveis, sugerindo algo que brilhava como faca de dois gumes, muito torpe e muito maravilhoso. elas subiam e estalavam, as gotículas da descoberta. mas apesar do fervilhar constante e dolorido, eram verdades difusas, complicadas, inexplicáveis.
depois de muito tempo nessa espécie de torpor, ele compreendeu que a situação se clareara por dentro. apenas faltava a coragem de romper com a segurança e pronunciar a palavra mágica. não teria coragem para falar nada, por enquanto. não. não era mais o mesmo, mas a descoberta ainda se escondia na neblina. seria preciso um gesto louco, um grito, um dançar nu na montanha, um chicotear furiosamente o próprio corpo e depois, sim, teria coragem de pronunciar a frase que o estrangulava. não seria ainda esbofeteado pelos próprios pensamentos. queria sentir-se outro, qualquer que fosse o outro, para sentir-se seguro. mas não tinha certeza de nada. apenas a impressão de que algo se rompera por dentro.
levantou-se num salto, saiu, comunicou à senhora que não participaria das caçadas por causa dos dialetos antigos e pediu que não o incomodassem, enquanto estivesse na biblioteca. foi até o ferreiro, que se assustou por vê-lo tão cedo, pediu-lhe cinco estiletes de ferro temperado. quando terminasse, mandasse os ferrinhos por seu criado alio. a seguir, chamou hans, que lhe disse ter marcado o suplício para aquela mesma tarde, o arauto sairia após o almoço para tamborilar sobre a festa.
não. quero estudar estes prisioneiros. pela trabalheira que nos deram, merecem cuidado especial.
como quiser.
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