GIL VICENTE 22. COMÉDIA DE RUBENA (1521)

feiticeira

Resumo:

Cena primeira: Um prólogo, como no teatro latino, anuncia a narrativa. Rubena foi engravidada por um jóvem clérigo. Ela apresenta um triste monólogo sobre a sua situação (“mais dói o arrependimento que a dor do parto”). Sua criada traz uma parteira que nos brinda com sortilégios facilitadores do parto (“Dizei tres vezes passinho: o verbo caro fato he: dou-vos a San Sadorninho…” A parteira faz vir uma Feiticeira para que cuide dela, escondendo assim o parto do pai de Rubena. Diabos, a mando da Feiticeira, levam Rubena à montanha. Ali ela dá à luz uma menininha, Cismena.

Cena segunda: A Feiticeira e os Diabos cuidam da menina. Duas fadas devem zelar por ela. A seguir vê-se a pequena Cismena com pastorezinhos. As fadas predizem uma boa fortuna para a menina.

Cena terceira: Já jovem, as Fadas encaminham Cismena a Creta. É adotada por uma nobre que morre e lhe deixa a fortuna. Cismena é cortejada por muitos mas acaba se casando com o príncipe da Síria.

GV060. Benita

Tiempo era caballero,
Que se me acorta el vestir.

(canta Carmen Ziege)

GV061. Feiticeira

Ru ru, menina, ru, ru,
Mourão as velhas e fiques tu
C’o a tranca no cu.

(canta Jorge Teles)

GV062. Ama

Llevantéme un dia
Lunes de mañana.

(canta Kátia Santos)

GV063. Feiticeira

De las mas lindas que yo vi.

(canta Jorge Teles)

GV064. Cismena

Grandes bandos andão na côrte,
Traga-me Deos o meu bonamore.

(canta Carmen Ziege)

GV065. Lavrandeiras

Halcon que se atreve
Con garza guerrera
Peligros espera.

Halcon que se vuela
Con garza á porfía,
Cazar la queria
Y no la recela:
Mas quien no se vela
De garza guerrera
Peligros espera.

La caza de amor
Es de altanaría;
Trabajos de dia,
De noche dolor:
Halcon cazador
Con garza tan fiera
Peligros espera.

(cantam Carmen Ziege e Kátia Santos)

GV066. Dario

D’amores jaço,
Quando as torço d’amores dormo.

(canta Geovani Dallagrana)

GV067. Dario

Consuelo véte con Dios;
Pues ves la vida que sigo,
No pierdas tiempo conmigo.
Consuelo mal empleado,
No consueles mi tristura;
Véte á quien tiene ventura,
Y deja el desventurado.
No quiero ser consolado,
Antes me pesa contigo:
No pierdas tiempo conmigo.

(canta Geovani Dallagrana)

GV68. Lavrandeiras

Bien quiere el viejo,
Ay madre mia,
Bien quiere el viejo
A la niña.

(canta Kátia Santos)

 

Comentário:

Uma comédia bem cuidada, cheia de referências ao cancioneiro popular. Mas não mantém uma unidade, é fragmentada. Pela primeira vez em seu teatro, Gil Vicente apresenta um prólogo e divide a narrativa em cenas, como já era costume no teatro espanhol. Em algumas peças futuras, o prólogo aparecerá outras vezes, mas não mais se verá a divisão em cenas, mesmo em peças com mais de um cenário.

Na primeira cena e em parte da segunda, a atuação entre os diabos, a feiticeira e as duas fadas dá uma nota cômica e fantástica à tragédia da moça engravidada pelo clérigo irresponsável. Ao final da segunda cena surge um clima do que poderíamos chamar de pastoral infantil. Só a terceira cena apresenta-se como comédia romântica, na verdade um drama romântico, com todos aqueles ingredientes emocionais característicos, como a disputa dos pretendentes, o enamorado que morre por amor e o Príncipe disfarçado por amor. Este mantém, em quadrinhas, um longo e lírico diálogo com o eco.

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GIL VICENTE 20. CORTES DE JÚPITER (1521)

Venus

Resumo:

A Providência entra, enviada por Deus. Faz vir a Júpiter, rei dos planetas. A infanta portuguesa Beatriz, filha de Dom Manuel, está de partida para Sabóia, para casar-se com o duque. O rei dos deuses deve ordenar ao mar e aos ventos tranquilidade para a viagem. Entram os quatro Ventos. Tocam trombetas para chamar o Mar. Vem o Mar, furioso. Diz a Júpiter que só obedece à Lua. Vêem a seguir o Sol, a Lua e Vênus (a Estrela Dalva). Júpiter dá as ordens. E os deuses começam a organizar o séquito da infanta: nobres, damas e gente da corte, metamorfoseados em peixes e aves, deverão acompanhar a frota pelo rio Tejo até a entrada no mar, quando ouvirão o canto de cento e trinta mil sereias. Vem Marte, que acompanhará o cortejo, para que não haja ataque de inimigos. O canto de um romance, que narra a viagem da infanta, desencanta uma Moura com seu linguajar estropiado (Mi no xaber que exto extar, mi no xaber que exto xer, mi no xaber onde andar – Não sei onde estou, não sei o que é isto, não sei por onde ando). A Moura entrega à Infanta 3 prendas mágicas. Cantam e finda-se a peça.

GV043. Sol

Niña erguedme los ojos,
Que a mi namorado m’hão.

(canta João Batista Carneiro)

GV044. Lua

Eu m’era Dona Isabel,
Agora raia do alto.

(canta Carmen Ziege)

GV045. Sol

Yo me soy Pero Çafío.

(canta João Batista Carneiro)

GV046. Júpiter

Não me quiz casar meu pae,
Ora folgae.

(canta Carmen Ziege)

GV047. Sol

Aquel caballero, madre, se me habrá
Con tan mala vida como há?

(canta Carmen Ziege)

 GV048. Sol

A que horas me mandais
Aos olivaes!

(canta Jorge Teles)

GV049. Venus

Nunca fue pena mayor,
Ni tormento tan estraño
Que iguale con el dolor.

(canta Carmen Ziege)

GV050. Venus

Estes meus cabellos, madre,
Dos á dos me los lleva el aire.

(canta Jorge Teles)

GV051. Venus

De vos y de mi quejoso,
De vos porque sois esquiva.

(canta Carmen Ziege)

 GV052. Venus

Enganado andais, amigo,
Comigo;
Dias ha que vo-lo digo.

(canta Carmen Ziege)

GV053. Júpiter

Gentil dama valerosa,
Y doncella por cuyo amor.

(canta João Batista Carneiro)

GV054. Júpiter

Sem mais mando nem mais rôgo
Aqui me tendes, levae-me logo.

(canta Carmen Ziege)

GV055. Sol

Al dolor do mi cuidado,
Y en tus manos la mi vida,
Me encomiendo condenado.

(canta João Batista Carneiro)

 GV056. Sol

Se disserão digão alma mia.

(canta Carmen Ziege)

 GV057. Sol

Por el rio me llevad, amigo,
Y llevadme por el rio.

(canta Carmen Ziege)

GV058. Todos

Niña era la Ifanta,
Doña Beatriz se decia,
Nieta del buen Rey Hernando,
El mejor Rey de Castilla.
Hija del Rey Don Manuel
Y Reina Dona María.
Reyes de tanta bondad
Que tales dos no habia.
Niña la casó su padre,
Muy hermosa á maravilla,
Con el Duque de Saboya,
Que bien le pertenecia,
Señor de muchos señores,
Mas que Rey es su valia.
Ya se parte la Ifanta,
La Ifanta se partia
De la muy leal ciudad
Que Lisbona se decia;
La riqueza que llevaba
Vale toda Alejandria.
Sus naves muy alterosas,
Sin cuento la artilleria;
Va por el mar de Levante,
Tal que temblaba Turquia.
Con ella va el Arzobispo
Señor de la Cleresia;
Van condes y caballeros
De muy notable osadía;
Lleva damas muy hermosas,
Hijas dalgo y de valía.
Dios los lleve á salvamiento
Como su madre querria.

(canta Jorge Teles)

 

Comentário:

Famosa obra de Gil Vicente. Já à maneira renascentista, mistura o maravilhoso pagão ao maravilhoso cristão. Observe-se, porém, que não comparecem os deuses mas os astros a que eles se referem: Júpiter, o Sol, a Lua e a Estrela Dalva (Vênus) Pela presença destes e dos ventos, a obra se constitui num exemplo rico de um espetáculo feérico, grandioso.
A peça foi encenada como ponto culminante de uma festa que durou a tarde e a noite, na véspera da partida da infanta para a Itália. Durante o dia um faustoso cortejo percorreu as ruas de Lisboa, indo do Palácio à Igreja da Sé, e indo dali para o paço da rainha viúva, Dona Leonor, para a despedida da infanta. Voltando ao Palácio por outro caminho, houve um baile – o rei dançou com a filha – e encerrou-se a noite com a apresentação da peça de Gil Vicente.
Pela maneira como os astros-deuses distribuem as transformações da nobreza em peixes e aves, para que sigam o cortejo das treze naus até o mar, designando alguns deles pelos nomes e grau de nobreza, a história de Portugal acaba fazendo parte da peça, já que a platéia está inserida na encenação.
Toda a peça é em português, com frases de canções em castelhano. O romance no entanto, que faz um resumo de toda a saga da viagem, é  em castelhano.
Almeida Garret (1799-1854), em 1838, apresentou a peça Um auto de Gil Vicente, com a explícita intenção de inaugurar o moderno teatro português. A trama gira em torno da encenação de Cortes de Júpiter, aparecendo como personagens Gil Vicente, Paula Vicente, sua filha, Bernardim Ribeiro (poeta contemporâneo) e pessoas da Corte. Bernardim Ribeiro ama a infanta Beatriz. Sabendo da encenação na véspera de sua partida, disfarça-se e assume o papel da Moura, entregando-lhe um anel como prenda. O rei Don Manuel percebe algo estranho e suspende a apresentação. A infanta desmaia. No dia seguinte Bernardim consegue entrar na nau que levará Dona Beatriz e faz sua declaração de amor.
(Obs: Há citações de trechos curtíssimos de canções populares; juntei-as em 4 sequências e criei um pequeno interlúdio entre elas, com variações).

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Gil Vicente 13. O VELHO DA HORTA (1512)

a moça

Resumo:

Entra um Velho orando um pai-nosso parafraseado: após uma expressão latina Gil Vicente acrescenta uma extensão da idéia (Pater noster criador, qui es in coelis poderoso, santificetur, Senhor, Nomem tuum, vencedor, nos céus e terra piedoso). Vem uma Moça para comprar verdura. Ele se perde de amores e se declara de imediato. Ela colhe algo e parte. Vem o Parvo, a mando da Mulher, chamando-o para comer. Ele não quer comer nem beber. Ao contrário, pede que o criado traga a viola. Vem a Mulher. Discutem. Ela insinua que está com ciúmes e ele confessa sua paixão. Expulsa-a.  Canta. Vem Branca Gil, alcoviteira, também a comprar verduras. Ele fala de seu amor e ela diz que vai ajudá-lo. Quando ela descreve a mocinha, ele desmaia de emoção. Branca Gil inicia uma longa e engraçadíssima ladainha, pois que dá nome de santo e santa aos nobres que assistem e pede que favoreçam o pobre do Velho. Ele acorda e a partir daí ela começa a explorá-lo. Vai, cena após cena, pegando seu dinheiro para comprar presentinhos para a Moça. Entra o Alcaide com soldados e leva presa a Alcoviteira, para ser açoitada em público. Uma Mocinha vem fazer um pagamento e fala do casamento do Moça. O Velho se desespera e lamenta seu estado de miséria, porque perdeu a fortuna.

GV029. Moça

Qual es la niña

Que coge las flores,

Sino tiene amores.

Cogia la niña

La rosa florida,

El hortelanico

Prendas le pedia,

Sino tiene amores.

(canta Carmen Ziege)

GV030. Velho

Volvido nos han volvido,

Volvido nos han

Por una vecina mala

Meu amor tolheu-me a falla,

Volvido nos han.

(canta João Batista Carneiro)

GV031. Velho

Pues tengo razon, señora,

Razon es que me la oiga.

(canta João Batista Carneiro)

GV032. Mocinha

Hua moça tão fermosa,

Que vivia alli á Sé…

(canta Katia Santos)

Comentário:

O tema do Velho apaixonado volta à pena de Gil Vicente. Aqui retratado com pormenores até o final trágico, quando ele acaba na miséria e a alcoviteira é presa para ser açoitada (“Já fui açoitada tres vezes, enfim hei de viver!”). Novamente uma engraçada galeria de tipos: o bobo, a mulher ciumenta, o velho ridículo e a aproveitadeira. Estranho costume o de açoitar a alcoviteira, em público, com uma mitra de papelão sobre a cabeça; leva-nos a concluir que o castigo era formal já que a sociedade não podia prescindir daquele tipo de serviço.

Mais tarde, em 1534, na peça Auto da Cananéia, Gil Vicente voltará a fazer uma paráfrase do Pai-Nosso. Então, Cristo fala a primeira metade em latim e apresenta o desenvolvimento da idéia em português versificado; a seguir, a segunda metade em latim e novamente o desenvolvimento.

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