o homem que queria tremer

quinto A

O HOMEM QUE QUERIA TREMER

quinto A

Nota: Esta peça foi apresentada em novembro de 1972 no Auditório da Biblioteca Pública do Paraná, por alunos da turma Quinto A, da Escola Raphael Hardy. Durante o segundo semestre, de duas aulas semanais de Educação Artística, uma era dedicada aos ensaios. Foi um interessante exercício, escrever a cada semana um episódio, que era dado aos atores responsáveis pelos papéis.
    Baseei-me em dois famosos contos dos Irmãos Grimm (1785/1863 e 1786/1859), O Homem que queria tremer (Märchen von einem, der auszog, das Fürchten zu lernen) e O Túmulo (Der Grabhügel). Informação curiosíssima: No conto O Túmulo, o Soldado menciona o personagem de O Homem que queria tremer. Que eu me lembre, isto não ocorre em nenhum outro conto dos Irmãos Grimm. Isto poderia significar que os Irmãos, que saíram pela Alemanha anotando da boca do povo os seus contos e lendas, fariam algum tipo de “literatura” em cima do material anotado?
    Ao final do texto, apresento a lista dos alunos-atores, com seus respectivos papéis.

Cena 1. Sala (Pai, Compadre, Homem).

PAI: Ah, meu Deus do céu! Onde andará esse meu filho? Passei a noite toda esperando, já amanheceu e nada dele chegar. (batem) Opa! Será que é ele?
COMPADRE (entrando): Bons dias, compadre. Vim ver se você me empresta uma galinha choca para cobrir uns ovos de galinha d’angola.
PAI: Pois não, pois não. E como está a comadre?
COMPADRE: Está bem, está bem. Espera o seu décimo sétimo filho. E o afilhado, por onde anda que há muito tempo não visita os pobres?
PAI: Ah, compadre. Está me dando aborrecimentos, este filho. Saiu ontem para vender uns patos na aldeia vizinha e não voltou até agora.
COMPADRE: Santo Deus! Pode ter acontecido alguma coisa! Há ladrões terríveis no caminho, bandoleiros desalmados. Que teria acontecido?
PAI: De ladrões e bandoleiros eu não tenho medo. Meu filho é forte, você sabe, e um murro dele derruba qualquer golias. Mas me arrepio só de pensar que ele teve que viajar à noite perto do cemitério da igreja abandonada. Estão falando que há assombrações horríveis vagando por lá.

 

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Os músicos de Bremen

OS MÚSICOS DE BREMEN

Nota: Esta pecinha se baseia no famoso conto recolhido pelos irmãos Grimm (1785/1863 e 1786/1859). Foi apresentada com fantoches em outubro de 1976. No mesmo ano Bardotti e Enriquez tinham feito uma versão italiana para teatro profissional, I Musicanti. Em 1977 Chico Buarque traduziu I Musicanti para o português, com adaptações: Os Saltimbancos. Coincidências! Para os curiosos, fiz há dias uma tradução fiel do original, que apresento ao final do meu texto.

BURRO:
Ai, que vida triste.
Tô ficando velho
cansado e doente.
Meu pelo caiu,
não tenho mais dente.
Estou tão fraquinho
que as cargas que levo
caem no caminho.
Estou chateado.
Agora que estou
fraco, acabado,
meu patrão me trata
como um enjeitado.
Não me dá comida,
não me dá abrigo.
Danada de vida!
Pensei cá comigo:
Morrendo de fome
não quero ficar!
De manhã bem cedo,
pra outro lugar
eu vou me mandar.
Vou fugir daqui!
Quero viajar.
Quando eu era novo
bem forte e matreiro
aprendi a tocar
tambor e pandeiro.
Pois vou para Bremen.
Lá, numa orquestra,
eu quero tocar.
É nisto que dá
a gente ficar
sem se aposentar.
Muito trabalhei
mas INPS
eu nunca paguei.
Eu fui reclamar
no Fundo Rural
mas lá me pediram
tanto documento!
Nem mesmo animal,
nem mesmo um jumento
pra aguentar aquilo.
Pois vou para Bremen.
Lá numa orquestra
eu quero tocar.
Está resolvido.
Amanhã bem cedo
eu vou me arrancar!
(sai)

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CONTA OUTRA VÓ 03. MARIA BORRALHEIRA

maria borralheira

desenho de Ricardo Garanhani 

Nota: Relação deste conto de minha avó com a tradicional Cinderela, a Gata Borralheira, só a madrasta com duas filhas e o casamento com o príncipe. Provavelmente, no interior de Minas, entre um contador e outro, na maioria analfabetos, a história foi perdendo alguns detalhes e ganhando outros, mais ligados à cultura e aos costumes do povo; isto de lavar o bucho do boi, por exemplo. As três versões mais famosas de Cinderela, para nós, são a de Charles Perrault (1628/1703), a recolhida pelos irmãos Grimm (1785/1863 e 1786/1859) e a de Walt Disney (1901/1966). Disney se baseou na versão de Perrault, talvez porque a dos irmãos Grimm seja muito selvagem: para que as irmãs calçassem o sapatinho, uma corta o dedão fora e a outra o calcanhar. E ambas são punidas com a cegueira.

     A versão mais antiga está em Estrabão, geógrafo grego (c.58aC/c.25dC). Segundo ele, contava-se no Egito que a pirâmide de Mikerinos teria sido erigida para uma concumbina do faraó Psamético: um dia a jovem Rodopisa tomava banho e uma águia roubou-lhe uma sandália. Voou para longe e soltou a sandália, que caiu junto do faraó. Encantado com a delicadeza e o tamanho do calçado e pelo maravilhoso do fato, ordenou que mensageiros procurassem pela dona da sandália. Encontrada em Naucratis, foi levada até ele e eles se casaram (Geografia, XVII, I, 4).

    No entanto, Heródoto (480-425aC), em sua História (livro II, 134, 135) narra outras peripécias sobre essa Rhodopisa, apesar de confirmar a tradição oral de que a pirâmide teria sido para ela.


Era uma vez uma linda menina chamada Maria Borralheira. Tinha uma madrasta muito malvada. Enquanto a madrasta folgava com suas duas filhas, Maria Borralheira precisava fazer todo o serviço da casa.

          Um dia mataram um boi e Maria Borralheira foi lavar o bucho no rio. Era um serviço que ninguém queria porque o bucho sempre estava cheio de bosta. Quando ela foi virar o bucho do boi, o bucho escapuliu e foi embora nadando. Com medo da madrasta, Maria Borralheira foi seguindo o bucho pela margem do rio e tanto andou e tanto andou que foi parar num lugar desconhecido. O bucho agarrou nuns galhos e ficou parado. Maria Borralheira pegou um pedaço de pau e trouxe o bucho pra terra.

          Perto dali tinha uma casinha velha. Como ela estava cansada, resolveu entrar. Estava uma bagunça medonha. Comeu um pedaço de pão e descansou. Depois, como querendo agradecer pelo pão, varreu o chão e lavou a louça e lavou a roupa e estendeu no varal e limpou os móveis e limpou o fogão e quando ia saindo escutou um barulho. Se escondeu atrás da porta.

          Entraram três velhinhas que eram três fadas. Olharam e se admiraram.

          Falaram as três juntas:

          – Mana, mana, quem tanto bem nos fez?

          Falou a primeira:

          – Quem tanto bem nos fez merece uma estrela de ouro na testa!

          E nasceu uma estrela de ouro na testa de Maria Borralheira.

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