o dia sem nome, 17

O dia sem nome, 17.

Valparaiso, dia 14 de abril, 13 horas, hora de verão.

por favor, que caminho tomo pra chegar ao centro da cidade? – abaixando o resto do vidro do carro.
é só seguir esta rua. – curvando-se, pra ver quem perguntava.
vai pro centro? – levando a mão à maçaneta interna.
vou! – sorrindo.
quer carona? – abrindo a porta.
O jovem não respondeu. Olhou envergonhado, envergonhado não recusou, entrou, sentou, o outro verificou o trinco, se estava fechado, fazendo pressão do braço sobre as coxas do rapaz.
vai pra aula? – mudando a marcha e colocando a mão sobre os genitais do jovem.
O jovem não respondeu. Tentou tirar a mão que o apalpava mas teve vergonha.
quantos anos você tem? posso continuar? – abrindo ou tentando abrir o fecho da calça.
dezenove. – segurando a braguilha.
não quer que eu abra? – acariciando a parte interna das coxas do outro.
é melhor não! – colocando as duas mãos sobre o baixo ventre.
O outro não retirou a mão, entretanto.
vai pra aula?
vou.
não quer dar uma saída comigo? – continuando a acariciar o membro, que começava a inchar.
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o dia sem nome, 16

O dia sem nome, 16.

Eric não acordaria jamais. Jamais seria ouvida a gravação de sua vozinha aflita e soluçante. Por que Bengazi seria diferente das outras? Não. O destino de Bengazi estava escrito na mesma rota implacável das estrelas que tinham condenado todas as cidades da terra. E esse destino também se cumpriu.
A cidade se aquietou nos incontáveis dias e nas pacientes noites que se seguiram. Criminosos não foram libertados e outros tantos não chegaram a ser presos. Foi suspenso o choro infecundo dos inocentes. Os pactos de paz futura não chegaram a ser assinados, pelo mesmo motivo pelo qual pãezinhos no forno não chegaram a ser comidos. Cartomantes tinham sido pagas e não consumaram a leitura do fado triste dos esperançosos. Também não gastaram o dinheiro recebido. Ovos, larvas, crizálidas e girinos não floresceram para a sua participação na harmonia universal. Casas, ruas, cidades, desenhadas com cuidado, tiveram sustada a sua construção. Os indolentes deixaram de trabalhar e o trabalho ficaria à espera para todo o sempre. Nos hospitais desmancharam-se os tumores cancerosos e as hemorragias secaram.
Exemplares de Os Irmãos Karamázovi, em todos os idiomas do planeta, foram soterrados, foram incendiados, foram molhados, foram folheados por brisas desatentas, ventanias analfabetas, vendavais desintereessados em Ivan, que nunca mais falaria, de coração a coração, sobre o desespero do homem.
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o dia sem nome, 15

O dia sem nome, 15.

Viena, dia 14 de abril, 17 horas.

Ingrid Siegdal, viúva, cinquenta anos, sentada na cadeira antiga, assiste o drama pela televisão. Ingrid hoje não vai fazer o jantar. Ele está viajando e ela telefonou dizendo que ia dormir fora. Ingrid ouve com atenção. É um homem que fala a uma mulher coisas repetidas numa corrente que nunca pára, não se cansam de falar, e Ingrid não tem com quem conversar. A casa está limpa, odiosamente limpa, a roupa está guardada, nos mínimos detalhes quanto à maneira de dobrar e o local específico para cada peça. O brilho, a ordem e o cheiro de detergente natural dizem a Ingrid que sua missão foi cumprida mais um dia. Ingrid tem sono cedo, Ingrid vai gastar mais uma noite sem ter feito nada de útil.
Vinte anos servindo ao mesmo casal, a mulher conhece a casa como se conhece o próprio corpo, a cor, a disposição, a mudança da tonalidade da cortina que envelhece com ela.
Ingrid não tem com quem conversar. Ele não gosta de barulho, ela, quando passa em casa, se tranca a traduzir revistas estrangeiras. O telefone não deve soar mais de uma vez e a campainha da porta precisa ser atendida sempre imediatamente. Ingrid já se habituou a esse silêncio. É bem por isso que ela toma banho logo que levanta, uma vez apenas, nesses vinte anos, fora surpreendida pelo telefone. A mulher foi que atendeu, olhando-a, depois, cheia de ódio. Ele apenas tomara o refresco em silêncio, sua cara nunca demonstraria sinal de violência ou amor.
Os filhos tinham vindo e tinham partido. No começo choravam, riam, brincavam, mas a presença dele, aquela onipotente esfinge de bigode e óculos, com seu olhar de dragão, tinha terminado por silenciar as crianças. Aos poucos, tudo se acomodou. Primeiro silenciavam apenas à noite, com o pai em casa. Depois, os pobres gêmeos foram contaminados pelo sepulcro noturno, passaram a ser silenciosos também durante o dia, longe do pai e da mãe, brincando menos, gritando menos. Ingrid os tentava com cócegas mas eles riam um pouco e diziam que estavam com dor de cabeça.
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