Quatro Marias (roteiro de filme, 1)

QUATRO MARIAS – Parte 1

(roteiro de filme) 

Nota: Este roteiro foi feito a pedido de Flávia Souza. A tragédia aconteceu em 1951. A protagonista Maria era irmã de minha mãe, esta, conhecida como Milota. A mãe de Maria, também Maria, foi minha avó materna. Todos os personagens principais são reais. E, com certeza, tomei a liberdade de delirar em torno dos fatos.

 

 

Primeira Parte: A mosca que caiu na teia de todas as aranhas.

 

 

Obs..: Em finais de cena, quando houver fusão entre uma cena e outra, serão vistos, rapidamente, por alguns segundos, artistas de circo, em câmera lenta, executando seus números: a corda-bamba, o malabarismo, o contorcionismo, o comedor de fogo, o atirador de facas, etc.

 

Seqüência 1.

 

          Um caminhão velho e lento avança pela paisagem. Estrada de terra, pastos e áreas plantadas. Sobre a imagem da paisagem surge o texto: Primeira Parte. E, a seguir, outro texto: A mosca que caiu na teia de todas as aranhas.

 

          Dirige o caminhão um homem corpulento. Cabelos muito crespos e curtíssimos. Olhos verdes. Amulatado. É Jorge Carvalho. Ao seu lado dois outros homens, olhando a paisagem. Na carroceria, coberta pobremente, outros três homens, duas mulheres e enorme quantidade de caixotes e objetos. Há também duas crianças. Uma menina morena e um menino louro. São filhos de Jorge e são conhecidos como Menininho e Menininha.

          Casas avulsas anunciam a chegada a uma cidade. Numa curva, surge o rio e a partir daí a estrada correrá lado a lado com o rio. Próximo a uma grande casa, mulheres com as saias amarradas acima das coxas, lavam roupas na água do rio. Cantam alto:

 

          – Pombinha branca,

          Fuja do laço do caçador.

          Que eu também quero

          Fugir do abraço

          Do meu amor.

          Seu beijo arrebata

          E mata de paixão.

          Amor que mata, eu não quero não.

          Amor que mata, eu não quero não.

 

          – Você tem asas

          E no perigo pode voar.

          Mas eu não tenho

          E por castigo

          Vivo a chorar.

          O olhar dele maltrata

          Dá um nó no coração.

          Amor que mata, eu não quero não.

          Amor que mata, eu não quero não.

 

          Ao ouvir o caminhão, levantam-se e ficam olhando. Maria, uma delas, também olha mas, ao perceber que o caminhão está mais próximo, desamarra a saia que cai, vira-se de costas mas volta o rosto para olhar também. Jorge olha sério para ela.

          Um dos homens fala:

          – Pra estarem de perna de fora, devem ser as putas daqui. Se não, ficavam num lugar mais escondido.

           – Mas então o puteiro mudou de lugar. Deve ser essa casona.

          O caminhão entra na pequena cidade, pára e é rodeado de pessoas. Jorge fala para os homens:

          – Avisa a eles que eu vou conversar com o Padre.

          E para os filhos:

          – Menininho! Menininha! Querem ir comigo? Ih, mas vocês estão muito sujos. Está bem, vamos, vamos.

          Afastam-se. As pessoas da carroceria descem, misturam-se aos habitantes do local e começam a conversar. Não se ouve suas vozes, só os gestos. Logo depois…

          Jorge volta apressado. Entra na cabine e, da janela, pergunta às crianças da cidade:

           – Quem de vocês sabe onde é o campo em frente ao hospital?

          Todos se agitam dizendo eu, eu, eu. Ele aponta para um dos meninos e diz:

          – Vem comigo pra me mostrar.

          E, para um dos homens que estava na cabine:

          – Aquele lugar que a gente sempre ocupava foi vendido. Vamos mudar de lugar. Você vai lá pra trás com os outros.

           Tudo é rápido. Entram todos, ajeitam-se, ele põe o caminhão em marcha. O moleque escolhido arregala os olhos, deslumbrado. Olha os meninos que ficaram na rua, coloca o polegar na boca, a mão levantada e aberta, balança os dedos e, sorrindo, faz uma careta.

 

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