Alma desdobrada, cap. 23, 24, 25, 26, 27 e 28.

Alma desdobrada, capítulos 23, 24, 25, 26, 27 e 28. 

 

 023.

          depois da minha descomunal crise por causa da rejeição inesperada de Y…, ele veio a mim e temos nos encontrado de vez em quando. às vezes ele me evita os convites e às vezes ele mesmo me convida e me seduz. ele sabe que eu, sempre, estou disposto a transar com ele. não me parece que para ele seja uma transa desagradável. me parece porém que ele não se sente bem inteiramente, quando dorme comigo. ficou claro isto, no nosso papo de antes de ontem. ele se desnuda de corpo e alma e se me entrega cheio de carinho e amor. sinto muito um bebê dentro dele, necessitando de um grande abraço protetor. ele ressoa com cada toque, estremece com cada mordida, freme ante cada demorado beijo e no momento do gozo levanta gemidos que comovem. mas, passado o grande momento, não imediatamente a seguir, mas passado todo o vestígio do prazer, seu corpo se aquieta dentro de uma melancolia enrolada em silêncio. e no nosso papo, ele falou que não se sente atraído de alma para o sexo, apenas de corpo. sei, de mim, que sempre que o tenho próximo, me sobe um desejo de repeti-lo nos braços, no corpo, por dentro e por fora. fica claro, porém, também, que é um desejo sem paixão. a paixão, alucinada e embriagadora, acabou. gosto do corpo dele, amo-o com o amor do prazer, não o amor do tudo: prazer e dor, vida e morte, passado e futuro colados a cada agora.

 

024.

          assim desse jeito é que amo a Z….

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alma desdobrada, cap. 15,16,17,18, 19, 20, 21 e 22

Alma desdobrada, capítulos 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22.

 

 015.

          estou tenso porque chegou o momento de nascer meu filho. me lembro do momento em que ele foi feito e começo a divagar:

         eu e A… deitados, cama limpa, corpos com cheiro de sabonete, intenções puras, nenhuma tensão. o casal correto, não estou querendo ser irônico. ela parou, há dias, de tomar pílula, ludibriamos com orgasmos sem penetração, para dar um tempo ao organismo dela para descansar da influência dos hormônios artificiais. e então chega um dia em que, de acordo com resoluções de comuníssimo acordo, tudo está liberado. carinhos crescem, os corpos sabem bem o que fazer, os corpos decidem por si porque os corpos não têm amarras nem âncoras e, se é que existe alma, os corpos são a concretização do que há de mais profundamente humano na alma.

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apolo e jacinto, 23

apolo e jacinto, 23 (último).

hans se foi. levou apenas dois criados, um dos quais com as roupas novas de alio. o castelo, sem ele e o neto, era um túmulo de muitos cômodos. no mais frio, no mais apertado, no mais triste, teófilo estava instalado. a agonia provocada pela pequenez da peça era menor que a agonia que a lembrança daqueles dias provocava nele. 
não permitiu que hans levasse alio. o criado, com as vestes remendadas vigiava, com os olhos tristes e suaves. teófilo trancara-se no quartinho e alio subia para atendê-lo. de manhã, levava frutas, limpava tudo e descia. no almoço, deixava a comida e descia. o mesmo na janta. na primeira noite, teófilo sentiu que ele não se afastou, após encostar a porta. desceu a tranca e ficou paralisado, com a respiração doída. alio se foi, finalmente. não procurou ser silencioso. afastou-se simplesmente.
alio instalou-se no mais alto ainda, na biblioteca. algumas vezes teófilo pensava ir lá, não tinha coragem.
copiava textos dos manuscritos que trouxera do mosteiro. separava as canções à virgem, num livro, e os cantos profanos, em outro. aqueles que falavam da amada, ele não copiava. e aqueles que diziam do amigo, que havia saudade, que havia dor, aqueles, não só os copiava com carinho, como compunha para eles melodias simples, que acompanhava com a cítara. a cítara que tinha comprado para luis, na taberna onde amou alio. na taberna onde pernoitaram, pela última vez, na volta do mosteiro, por puro capricho, já que poderiam ter feito todo o trecho num só dia.
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