GIL VICENTE 08. FARSA CHAMADA AUTO DA FAMA (1510)

Resumo:

Uma mocinha guardadora de patos é a Fama. Tem como ajudante um bobo. Diante dela se apresentam um francês, um italiano e um espanhol. Cada um quer levar a Fama para seu país. Mas ela sabe que pertence a Portugal, pelos grandes feitos portugueses. Faz uma descrição do poderio lusitano, enumerando terras descobertas e povos subjugados. Chegam a Fé e a Fortaleza, coroam com louros a Fama e a colocam num carro triunfal. Levam-na ao som de música.

GV020. Fé (fala)

Vós, Portuguesa Fama, não tenhais ciumes.

(fala Jorge Teles)

Comentário:

Estamos diante de um Gil Vicente que tece louvores à gloria de seu país, após os grandes descobrimentos. As falas dos cortejadores são engraçadíssimas porque mescladas com português irregular. “Vu vendrés comigo em França.”. “Il cor me dole qui me mata tu parole”.
Um dos méritos mais fascinantes de Gil Vicente é o aspecto linguístico de suas obras. Cada personagem tem na sua fala uma riqueza de detalhes que precisam sua condição social, seu nível intelectual, além de seu estado emocional. Tal aspecto se perderá no clacissismo e só será recuperado no realismo.
Pela primeira vez na obra de Gil Vicente, é mencionado o Brasil, como um dos grandes trunfos do império português. E, como a peça é em versos, como todas do autor, surgem já aí duas palavras que se perpetuarão como rimas inevitáveis, toda vez que a língua portuguesa versejar sobre o Brasil: “mil” e “varonil”.
A fala da Fé ao final, é em hendecassílabos (ou decassílabos, se se desconsiderar a sexta sílaba, átona). Isto introduz no auto um novo clima, épico, grandiloquente.
Que arquétipo esconderia esta simpática guardadora de gansos, título de um dos contos mais significativos dentre os recolhidos pelos irmãos Grimm? Como curiosidade, no conto dos irmãos Grimm a guardadora de patos é uma princesa deserdada pelo pai, que queria dividir o reino entre as três filhas; exatamente o episódio inicial da tragédia do rei Lear. No caso de Shakespeare, a fonte teria sido a Historia Regnum Britanniae, de Geoffrey of Monmouth, de 1147.

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