apolo e jacinto, 13

apolo e jacinto, 13.

uma hora depois, chegou o criado. parecia que o esperavam.
Que estranho, levar-me lá pra cima. a mulher o puxava.
ele está lá em cima. pediu que subisse assim que chegasse. os criados cuidarão dos cavalos e da carga.
os criados? e a porta se abriu.
entre e feche a porta. isto. molhou-se muito? teófilo estava deitado, enrolado em cobertores. havia outra cama e uma tina com água quente.
a capa ajudou um pouco mas, depois, começou a pesar. estava mais longe do que eu pensava. posso descer?
não.
o que devo fazer?
você não vai dormir lá embaixo. disse ao taverneiro que viajamos juntos. ainda bem que veio com a capa.
o que devo fazer?
tranca a porta, tira essa roupa, entre na água quente. eles trarão comida aqui. não quero ficar sozinho até chegar a noite. você ficará comigo e jogaremos dados.
alio tirou a capa lentamente, pingava água, estendeu-a num canto, sobre o chão. depois, de costas, com a cabeça baixa, parou por um instante. teófilo levantou-se, enrolado, segurou-o no ombro com uma das mãos.
não quero ficar até a noite sem ter alguma coisa pra fazer. você está gelado, puta que pariu! entre já na água quente.
alio desceu as calças, lentamente. teófilo não queria olhar, virou-se, afastou-se. Ora, é apenas um criado! não olhou, mas sentiu ferroadas de marimbondo no coração e seu sexo estremeceu. deitou-se. ouviu o barulho da água. aconchegou-se no meio dos cobertores. alio tremia. com as conchas das mãos levava água sobre o corpo, teófilo ouvia o barulho e imaginava cada gesto.
não está quente?
está.
Está com vergonha de mim. Tenho de pô-lo à vontade, não devia ter feito isto. Tomara que eu não esteja sendo capturado por uma terceira armadilha…
bateram. alio encolheu-se, escondendo o sexo com as mãos. teófilo levantou-se, ajeitou os cobertores, expondo rapidamente sua nudez camuflada.
suspendeu a tranca. o dono entrou.
desculpas pelo atraso, senhor. dispondo na mesa a bandeja contendo uma vasilha com sopa e dois pratos. saiu após uma reverência a alio.
teófilo baixou a tranca e levou-lhe uma toalha.
saia. a sopa vai esfriar.
alio se levantou. É já um homem… Tem sempre o olhar muito triste… macio… Por que esse silêncio? Por que essa cabeça baixa?
ficou olhando alio por um tempo e ele se encolheu mais, silencioso, medroso, sério, trêmulo.
Parece que tem medo de mim. Não está nada a vontade.
teófilo afastou-se rápido e se sentou porque suas carnes cresciam, aumentavam, sua boca secou por completo.
o jeito é comer enrolado num desses cobertores, está muito frio, não é?
levantou-se, jogou para alio um cobertor e, nesse momento, o cobertor que o cobria caiu aos seus pés. os dois ficaram nus, um diante do outro, por um rápido momento. teófilo enrolou-se novamente, de costas, dirigiu-se à mesa. queria ser natural mas tremia levemente.
venha.
e sua voz saía surda, comovida. alio aproximou-se.
senta.
o senhor me desculpa…
senta, alio. a sopa vai esfriar.
Ele não come. Está com vergonha. Vou acabar depressa e sair da mesa.
sua avó mora há muito no castelo, não é?
diz ela que meu avô ajudou a terminar a reforma das muralhas, quando o senhor aumentou a ala sul.
não, não fui eu. foi meu pai. eu apenas terminei, era muito novo, então, por que ele morreu num acidente, durante a obra. e sua mãe?
minha mãe só visita a gente quando tem festa.
e seu pai?
meu pai morreu antes que eu nascesse.
quantos anos você tem agora?
vinte e dois.
vinte e dois? muito bem. sou mais velho que você, sou mais velho. mas não muito. quem o designou pra me servir?
sua mulher.
ah! minha mulher.
e, em silêncio, terminaram de tomar a sopa. alio, aos poucos, se aquietou, parou de tremer, relaxou. teófilo, com isto, sentiu-se um pouco mais tranquilo.
queria que você descesse e trouxesse dados.
vou mudar de roupa.
a roupa ainda está lá embaixo. desça como está.
assim?, como estou?
teófilo riu. é melhor que eu vá.
eu mudo de roupa e vou.
descerei assim mesmo, enrolado no cobertor. eles vão levar um susto bom. ajeitou o cobertor e novamente mostrou num relance a brancura de suas carnes. a um senhor eles perdoam tudo. e fechou a porta.
voltou com o taberneiro e dois criados que traziam a bagagem. estes levaram a tina com água e o dono da estalagem pegou a bandeja com o que sobrara da sopa. quando ele ia descendo, teófilo chamou-o, enquanto abria um saco de couro.
molhou praticamente toda a roupa. ainda bem que os textos ficaram bem protegidos. leva esta roupa aqui e peça a sua mulher pra diminuir pro tamanho dele. dá pra fazer isto, ainda que esteja molhada?
amanhã traremos tudo, limpo e seco. e fez duas reverências.
os olhos de alio, grandes, negros, macios como veludo, estiveram muito tempo fixados nalgum vazio, enquanto seu peito voltava a arfar levemente. estiveram um tanto em silêncio. teófilo encostado no seu leito, alio parado no meio do quarto enorme.
quer jogar dados?
se o senhor quiser.
você gosta? 
não.
não faz mal. jogaremos depois. me dê aquela bolsa.
alio pegou a bolsa e com a mão esquerda segurava as pontas do cobertor. os movimentos mostravam um pedaço do peito cabeludo e ele se ajeitava constantemente. teófilo tirou manuscritos, distraiu-se um pouco com eles.
não precisa ficar de pé, rapaz. sente-se na cama.
as camas eram próximas, não era preciso falar alto.
por que minha mulher escolheu você para me servir? a quem servia antes?
eu cuidava de seu tio.
fazia todo o serviço?
sim. mas o que ele queria, era que eu lesse para ele. dizia que eu era o melhor.
ah!, sim. hans ensinou a todos vocês. hans mudou a vida no nosso castelo. quem for inteligente, vai ler e escrever!, ele me disse um dia.
seu tio me ensinou mais ainda.
coitado. sofreu muito, antes de morrer. e o que você lia?
ele gostava de aventuras antigas. era o que eu mais lia.
poemas?
quase nada.
então, sabe contar histórias?
dizem que sei.
e depois que ele morreu?
fiquei uns tempos a serviço de hans. ele me disse que não queria mais alunos. ensinei o neto a ler.
o oceano surgiu de repente, envolvendo-o, afogando-o, a voz diminuiu.
luis?
sim, senhor.
aprendeu depressa?
é um diabo, aquele menino. calou-se. ficou vermelho. aliás, não é mais criança.
por que diz isto?
alio não respondeu. apenas começou a piscar os olhos enormes e baixou a cabeça.
Porra! Tenho que começar de novo, quando ele começa a ficar mais à vontade, já baixa a cabeça e fica calado. e depois que ensinou luis a ler?
ele tinha dez e eu dezenove. daí, passei a servi-lo. 
você me acompanhou nas caçadas do ano passado, não foi?
sim, senhor. das anteriores, o senhor não participou.
estava estudando uns livros. ninguém aceita isso, não é?
as pessoas falam…
o que falam as pessoas?
falam… que o senhor não é como os outros. fica sozinho no meio de rolos de pele e livros velhos.
e no entanto há muito eu não ia à biblioteca. A biblioteca! lembra-se de como estava suja quando subi?, há poucos dias. 
um longo silêncio. teófilo tentou se distrair com textos. as palavras do manuscrito iam e vinham; às vezes, resumiam, cada uma delas, um significado importantíssimo, era a solução de tantos enigmas! mas, se teófilo se concentrava sobre elas, elas se transformavam em risquinhos indiferentes, inocentes, inúteis. 
acho que não dormi direito, tenho um pouco de sono. alio, conte uma de suas histórias.
uma história de aventuras?
não, não. uma história galante, italiana… cheia de… Foda não fica bem falar, ele vai baixar a cabeça e silenciar… cheia de encontros noturnos, de amores… amores ilícitos, adultérios…
alio fixou a atenção no vazio à sua frente, por algum tempo, e começou. contou a história do padre que tentava uma mulher virtuosa e de como ela tramou com o marido um plano para ridicularizá-lo, combinando com aquele um encontro amoroso e chegou o marido que simulara uma viagem e de como o padre teve que se enfiar dentro da grande tina onde eram jogados todos os dejetos dos moradores da casa para poder se esconder do marido que em voz alta ameaçava alguma violência e quando os criados liberaram o padre, cheio de fezes e urina, ele saiu pela rua gritando gente porca gente porca que despeja os urinóis pelas janelas gente porca gente imunda, desfilando coberto de imundícies.
teófilo ria. esta, eu não conhecia. mas preferia… que tivessem dormido juntos.
não sei muitas dessas histórias.
mas há de saber alguma.
na aldeia sempre contam.
então eu quero ouvir a mais carregada. a mais especial. pense com calma. pra antes de dormir, quando estiver bem escuro.
um longo silêncio. Ele está com vergonha, de novo. Só que, desta vez, não baixou a cabeça.
estou com sono, alio. Acho que vou dormir. acho que vou dormir. você poderá me acordar, quando trouxerem velas e a comida. então, jogaremos dados. se você quiser! procure uma história pesada! a pior delas, destas de que se fala que faria corar um monge de pedra. entende o que falo?
alio riu. acho que sim.
teófilo virou-se para a parede, encolheu-se. Acho que… não devo… De qualquer modo ele não contaria a ninguém. Tem vergonha de mim. O corpo dele é… Eu nunca sentiria por ele o que sinto por luis… Se luis estivesse aqui, algo ia acontecer mas eu ia me arrepender amargamente, tenho certeza, com ele, porém, não faz diferença se acontecer ou não, mas, se acontecer, não vou me arrepender, penso. Se nada acontecer, não faz mal. Ele sempre baixa os olhos, cheio de vergonha. Se eu for pra cama dele… Nós dois estamos nus. Não devia estar pensando dessa maneira porque eu queria trazer luis e queria amá-lo todo o tempo, ainda que fosse através de intermináveis conversas, estou aqui agora com um criado particular. Mas ele não tem culpa de ser criado, sabe ler e escrever e contar histórias, é um criado especial, é uma pessoa especial. Foi ele quem ensinou luis a ler. Está tudo confuso, não sei o que penso. Quero pensar em luis mas o que está dentro de mim agora é ele nu, olhando pra mim, quando joguei o cobertor. Bastaria que eu o chamasse. Ele não terá coragem de desobedecer. Sempre ouvi de homens que chamam os criados pra… Não!, não!, não!, não quero pensar desse jeito!, quero parar de pensar!
virou-se na cama. alio, que cochilava, deu um pulo e abriu os olhos.
também está com sono?
desculpa.
pode dormir. com essa porra dessa chuva, o jeito é dormir. quando trouxerem a comida, o que estiver acordado, acorda o outro.
alio lentamente se esticou, aconchegou-se no travesseiro, fechou os olhos. seu rosto estava vermelho, respirava rápido. mas logo a seguir o ritmo da respiração se normalizou. teófilo ouvia o lento respirar na outra cama. sentiu, porém, que u’a mão tocara seu ombro. abriu os olhos. alio dormia. não havia mão. foi quase um sonho, rápido demais pra ser um sonho. uma imagem de sonho. lembrou-se que, quando a mão de sonho tocou seu ombro, ouvira também batida na porta. bateram novamente, baixinho. levantou-se, abriu, o dono entrou com a bandeja e velas. acendeu-as e ajeitou sobre a mesa um queijo e alguns frutos. olhou alio, que dormia, teófilo fez com o dedo nos lábios o sinal de silêncio. ele ia saindo.
que gritaria é essa?
cantam lá embaixo. apesar da chuva, alguns vieram. acho que ficaram sabendo dos senhores, o senhor sabe, sempre são curiosos. quer que mande que se calem?
não!, não!, de jeito nenhum! não precisa. traga vinho. parece que dormi, porque finalmente escureceu. traga muito vinho. não desceremos mais.
a porta ficou entreaberta. o homem voltou logo, copos e um garrafão. foi-se. teófilo desceu a tranca, procurando não fazer ruído. alio continuava dormindo. a rolha, o copo cheio, tragou tudo. o estômago se fez. comeu pão. alio se mexeu e a manta mostrou um pedaço da nádega, branca, dura, com pelos densos que se perdiam no interior da coberta. teófilo ficou olhando. outro copo. continuou olhando, magnetizado. alio se mexeu novamente, todo o cobertor caiu no chão, desnudando-o por completo. teófilo sentou-se na cama, não conseguia ficar de pé, olhava, tremia. alio estremeceu de frio e sua mão procurou o cobertor. acordou. sentou-se na cama. cruzaram-se os olhares.
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