apolo e jacinto, 8

apolo e jacinto, 8.

Acho que hans não percebeu nada. Não desconfiou quando pedi pra deixá-lo lá em cima. Quando voltei lá, ele já tinha descido. Estão exigindo a morte dos prisioneiros. Aquele monstro deve ser o primeiro a morrer, de morte mais violenta. Ou, quem sabe?, deixo-o pra depois e depois e ele vai apodrecer no horror dessa espera. Não poderei mais vigiá-los. Maldito hans! Por que as portas secretas estão todas fechadas? Não tinha reparado nisto. Acho que há algum tempo as fechei, nem mais me lembro por quê. Não seria bom deixá-las abertas? Para alguma emergência… Tem razão, hans, cuidarei disso amanhã. Amanhã também devo resolver sobre os prisioneiros. Hans acha que sete forcas e uma festa deixarão o povão feliz. Queria conservar aquele pra depois. Acho que ele fez algo a luis, havia marca de dedos que apertaram seu bracinho, que será que queria fazer? Acordou exatamente quando saí da cela, aquele porco! Preciso falar com ele mas como vou saber se estava ou não acordado quando o beijei? Por que ele gritou não? Terá sentido minha boca na sua barriga? Ou será que acabava de acordar e se lembrou do prisioneiro? Parecia uma escultura de carne, nenhum artista vai trabalhar madeira tão preciosa. Acho que não devo matá-lo. Tenho que descobrir um jeito de manter as passagens secretas. Se hans não soubesse de nada! Ele achou esquisito quando lhe entreguei o poder do castelo. Estou ainda muito perturbado, hans, quero me dedicar a estudar uns manuscritos, pra me tranquilizar um pouco. Não sei se entende. Claro que entendo… Quero ir ao mosteiro das tílias, o padre me disse que recentemente foi encontrado um rico material com lendas e canções dos peregrinos. Mas só viajarei na próxima semana. Precisamos organizar a viagem, então. Acho que hans não desconfia de nada, se não, não estaria tão tranquilo comigo. Não, hans, só levarei um criado, quero chegar depressa ao mosteiro, você sabe, agora não corremos perigo ao atravessar o desfiladeiro. Esta é a única maneira de eu não correr riscos, a presença de luis me perturba. Ficar longe dele, por algum tempo. Não sei o que seria de mim se hans desconfiasse… penso, hans, que um dia de viagem é suficiente. Preciso ficar longe dele, tenho um medo terrível de sua presença. Hans não pode saber de nada. Será que luis aceitaria ir comigo? Eu levaria luis e deixaria aqui o criado. Ela ainda dorme, será que acordaria se eu subisse e ficasse na biblioteca? Não, essa idéia é insana!, se me afasto do castelo para ficar longe de luis!, como posso pensar em levá-lo? Isto é horrível! Ela também, com certeza, não desconfia de nada…
na penumbra da noite, o silêncio imperava absoluto. o pensamento de teófilo não conseguia se fixar em nada, perambulava vagabundo mas vigilante, à espreita de alguma resposta ao enigma de seu coração. suspiros profundos, que ele tentava abafar, para não acordar a mulher, e uma dor imensa que ameaçava paralisar sua respiração.
Ele não sabe que eu já estava acordado quando me beijou. Não entendo o que quer de mim. Aquele criado já tinha me falado de homens que se deitam com a gente, como se fossem mulheres. Tenho medo. Se ele fosse meu pai, isto nunca aconteceria. Mas prefiro que não seja. É alto e forte, não entendo o que significa aquele olhar. Tive que me cobrir porque estava ficando… não quero pensar nestas coisas. Fecho os olhos, procuro pensar em mil coisas diferentes, só consigo me lembrar da sua boca na minha barriga. Eles desceram, ainda bem que desceram, o criado quis me ajudar a vestir a roupa, acho que descobriu que eu estava molhado, que eu tinha gozado, ainda bem que desceram. Ele me olhou com os olhos engraçados, parece que sabe que aconteceu alguma coisa. Nunca mais vou subir na biblioteca. Ele pode fazer isto pra poder abusar de mim. Só se eu dissesse que contaria pro vô. Se eu chegasse lá no escuro e ele já estaria dormindo e eu me deitaria sobre ele e ele nem ia saber quem é e só o beijaria no peito e no pescoço. Podia ficar pegando nele e acho que ele ia gostar mas aquele filho da puta tem um pau enorme se eles não tivessem chegado ele ia me comer e me machucar ele tem uma mão que parece de ferro mas a boca dele me esquentou devagarinho e quando percebi que a língua tinha me molhado de leve, eu tenho muito medo, senti que ia… estes sonhos que sonho são muito esquisitos ontem foi aquele monstro parecido com um boi que me mordia de leve e me chupava e eu acordei molhado e não entendo nada e não consigo pensar em outra coisa!…
parecia a luis que fantasmas se riam dele nas sombras, escondidos como fugitivos suspeitos, mas deixando escapar de seus esconderijos uma luminosidade pálida, verde, assustadora. levantou-se quieto e ficou olhando pela janelinha o mar escuro e um archote franzino que passeava lá longe.
Se os monges permitirem que ele durma no meu quarto eu poderei ficar mais dias eu poderei dizer que é meu aprendiz não sei se ele sabe copiar aquelas celas são pequenas poderei pedir que ele me ajude e conversaremos na mesma cama e deitados juntos direi que o calor está muito forte o calor está muito forte, luis, vou dormir sem a camisa, apagarei a lamparina, estou sem sono luis sobre o que vamos conversar?, você está dormindo?, ele não responde acho que está fingindo poderei sacudi-lo luis luis acorde mas ele continua de olhos fechados, não acorda nem com este abraço mas ele treme um pouquinho e eu sinto na coxa uma carne que endurece aos poucos vou enfiar a mão dentro da roupa dele luis luis meu amigo me desculpa mas vou beijá-lo na boca o que você está fazendo estou te dando um beijo não deixarei que você fuja eu contarei tudo pro vô antes você me dará outro beijo assim assim assim, eu o trago num abraço pra cima de mim eu não devo pensar nisto eu não conseguirei eu preciso parar é apenas um menino! Tenho que ir para longe do castelo, vou ao mosteiro e fico lá um mês inteiro, não quero correr riscos de… Não quero pensar…
o teto já estava totalmente negro e teófilo imaginou que a fogueira lá fora deveria estar apagada já. com efeito, o sentinela do pátio se sentara num canto e sua cabeça pendia sobre o peito, esquecida, morta.
Se eu chegar lá e ele já estiver lá direi que queria pegar o meu punhal. Você não está com sono?, luis, não, não consigo dormir por que você não consegue dormir?, tem umas coisas que vão e vêem dentro de mim por que você veio pra cá?, eu também não conseguia dormir vamos conversar até de madrugada, eu me deito e finjo que durmo e ele vai me sacudir eu não respondo acho que ele já pensou que estou dormindo mas o que vou fazer com esta saliva se eu engolir ele descobre que estou acordado agora que ele se deitou também eu aproveitei pra engolir a saliva e ele não percebeu mas se ele continuar com a cabeça encostada em mim eu não vou conseguir disfarçar porque está ficando duro ele encostou a mão e quando dou por mim já está me beijando não posso acordar desse sonho porque ele pára e eu quero que ele continue eu não estou aguentando mais e acho que ele vai ter que engolir tudo.
luis sacudiu a cabeça para se sentir acordado e olhou para a porta fechada. abriu-a. os criados que dormiam no cômodo contíguo ao seu quarto estavam profundamente adormecidos, vítimas cansadas de um dia cheio de tarefas cruelmente exaustivas.
Acho que ela está profundamente adormecida. Não sei onde ele dorme. Ele devia ter ficado lá em cima, não estou aguentando, este tremor é uma merda e sei bem que se me masturbar vou me arrepender mas vou subir e entrar pela passagem secreta para vigiar o que ele está fazendo agora possivelmente dormindo com a mão dentro da calça ou comendo aquele preso sem vergonha vou subir sem que ninguém fique sabendo e amanhecerei na biblioteca direi que estive a ler acho que a vela ainda dá pra ir até de madrugada.
a porta foi fechada lentamente. a escuridão é uma constante ameaça, qualquer desvio e haverá um barulho qualquer, mas levar luz agora seria um perigo. fecharam o trinco e esperaram acostumar-se com a negrura. os tremores aumentaram, os medos cresceram, os corações pularam mais forte mas teófilo, sem saber de luis, iniciou a subida da escadaria que levava ao alto e luis, um pouco depois, sem saber de teófilo, começou a subir os mesmos degraus.
teófilo trancou-se por dentro. sentou-se na cama, depois deixou-se cair extenuado, enquanto o sangue, cada vez mais rápido, abria caminho dentro de suas têmporas. desejava que luis subisse, que não precisasse descer pelas galerias para se masturbar vigiando do alto aquele demônio, mas sabia que era melhor descer e terminar tudo rapidamente do que correr o risco de corromper o anjo, de sujar de mágoa o olhar daquele pequenino deus…
Mas se ele viesse, como entraria aqui?
levantou-se e, cauteloso, foi abrir a porta. um vulto de branco estava parado, uma estátua com um manto que o escuro azulava, um rosto lívido e tenso, cabelos revoltos, um apagado olhar, lábios secos pelo respirar aflito.
estava parado um vulto branco à sua frente. luis.
o que faz aqui?
não consigo dormir. não sabia que… você… estava aqui.
uma palavra mais não seria mais uma palavra, seria um soluço. luis encostou-se na parede. teófilo estendeu-lhe a mão
vem comigo…
mas ele encolheu-se todo. ao ser abraçado, um tremor mais forte violentou seu equilíbrio e ele se deixou levar, leãozinho abatido, com passos escorregados, com o corpo rígido, com a cabeça baixa. teófilo o sentou na cama e o apertou contra o peito e ambos começaram a chorar.
o vulcão ameaçou fazer jorrar de seus abismos jatos de fogo e dor…
as pedras ameaçaram fazer escorrer de suas fendas uma pastosa camada de ferro derretido…
a ferida ameaçou rebentar e fazer espirrar pus e sangue.
teófilo não se lembraria jamais quando as lágrimas de dor se transformaram em lágrimas de felicidade, luis não conseguia precisar o exato momento em que a garantia do abraço virou prazer e ambos, ainda chorando, estreitaram-se mais fortemente e as estrelas rolavam soltando sons estridentes e o teto rodou e a terra gemeu e o mundo respirava aflito e um gnomo encantado abriu os portais do inferno e soltou as fúrias e as sereias e os duendes e os feiticeiros e os faunos e os sátiros lúbricos e os demônios impudicos e o próprio senhor das trevas e todos como numa explosão subiram velozes com sons de usina louca mas uma vez transposta a tampa do poço que os mantinha aprisionados no centro do mundo profundo, uma vez transposta a tampa do poço, só havia ninfas e anjos e deuses iluminados que dançavam a dança da embriaguez e fadas cintilantes que voejavam coloridas e aves de metal brilhante e abelhas de ouro e prata e flores de rubi e diamante flutuando no espaço cheio de perfume e de música e a música era doce e O abraço de luis é doce e a música era suave e O abraço de teófilo é suave e a música foi crescendo e se espalhando por todo o corpo e as paredes do dique racharam e começou a chover e o raio estalava Dentro de nossas cabeças e os clarões de mil tímpanos e os trovões dos trombones e o rolar de pedras dos violoncelos e a flauta querendo clarear algum jardim mais ameaçado pela escuridão mas A música se instalou em nossos sexos e em nossos lábios e está crescendo e é a própria loucura que ronda o meu espanto e Sou zeus e ele é ganimedes e Sou ganimedes e ele é zeus e nossos corpos de leite flutuam desesperados e se contorcem embriagados e Estou dentro de um abraço eterno e a música cresce e cresce e cresce e se faz um uníssono em todo o universo.
os vulcões fizeram jorrar de seus abismos jatos de fogo e felicidade
e as pedras fizeram escorrer de suas fendas uma pastosa camada de ouro derretido
e as feridas rebentaram para que espirrasse a água da vida eterna.
os dois não conseguiram impedir a explosão de um simultâneo e majestoso orgasmo.
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