Monteiro Lobato – Viagem ao Céu

Viagem ao céu

 Capítulos 4, 5 e 6

  

4 – O céu de noite

Estava um céu lindo, transparente como cristal. O assanhamento do brilho das estrelas parecia os olhos dos meninos quando viam a bandeja de doces que o Coronel Teodorico mandava no dia dos anos de Dona Benta. Antes de levantarem a toalha da bandeja, os olhos de todos ali no sítio ficavam como as estrelas daquela noite.

Dona Benta tomou fôlego e falou, apontando para o céu: — Olhem lá aquelas quatro formando uma cruz! É a constelação do Cruzeiro do Sul. Constelação quer dizer um grupo de estrelas. Esta constelação do Cruzeiro é a de maior importância para os povos que vivem do equador para o sul, como nós. Tem a mesma importância da célebre constelação da Ursa Maior para os povos que vivem ao norte do equador, como os europeus e norte-americanos. O Cruzeiro do Sul é o nosso relógio noturno. No dia 15 de maio de cada ano essa constelação fica bem a prumo sobre as nossas cabeças, como o sol ao meio-dia, e então sabemos que são exatamente nove horas da noite.

— Que engraçado! — exclamou Pedrinho. — Estamos em fins de abril. Logo chegaremos ao 15 de maio — e eu vou acertar o nosso relógio da sala de jantar pelo Cruzeiro do Sul. Que beleza, hein, vovó?

— Sim, meu filho. Saber é realmente uma beleza. Uma isquinha de ciência que você aprendeu e já ficou tão contente. Imagine quando virar um verdadeiro astrônomo, como o Flammarion!

— Aí, então, ele fica com cara de bobo, a rir o dia inteiro, só de gosto da ciência que tem lá por dentro — disse Emília. Continue lendo “Monteiro Lobato – Viagem ao Céu”

Visitas: 1233

Monteiro Lobato – Viagem ao céu

Viagem ao céu

 Capítulos 1, 2 e 3

 

1 – O Mês de Abril

Era em abril, o mês do dia de anos de Pedrinho e por todos considerado o melhor mês do ano. Por quê? Porque não é frio nem quente e não é mês das águas nem de seca — tudo na conta certa! E por causa disso inventaram lá no Sítio do Pica-Pau Amarelo uma grande novidade: as férias-de-lagarto.

— Que história é essa?

Uma história muito interessante. Já que o mês de abril é o mais agradável de todos, escolheram-no para o grande “repouso anual” — o mês inteiro sem fazer nada, parados, cochilando como lagarto ao sol! Sem fazer nada é um modo de dizer, pois que eles ficavam fazendo uma coisa agradabilíssima: vivendo! Só isso. Gozando o prazer de viver…

— Sim — dizia Dona Benta — porque a maior parte da vida nós a passamos entretidos em tanta coisa, a fazer isto e aquilo, a pular daqui para ali, que não temos tempo de gozar o prazer de viver. Vamos vivendo sem prestar atenção na vida e, portanto, sem gozar o prazer de viver à moda dos lagartos. Já repararam como os lagartos ficam horas e horas imóveis ao sol, de olhos fechados, vivendo, gozando o prazer de viver — só, sem mistura?

E era muito engraçada a organização que davam ao mês de abril lá no sítio. Com antecedência resolviam todos os casos que tinham de ser resolvidos, acumulavam coisas de comer das que não precisam de fogão — queijo, fruta, biscoitos, etc, botavam um letreiro na porteira do pasto:

A FAMILIA ESTÁ AUSENTE.

SÓ VOLTA NO COMEÇO DE MAIO.

e depois de tudo muito bem arrumado e pensado, caíam no repouso.

Era proibido fazer qualquer coisa. Era proibido até pensar. Os cérebros tinham de ficar numa modorra gostosa. Todos vivendo — só isso! Vivendo biologicamente, como dizia o Visconde. Continue lendo “Monteiro Lobato – Viagem ao céu”

Visitas: 558

Monteiro Lobato – Caçadas de Pedrinho

MONTEIRO LOBATO

 Caçadas de Pedrinho

 Capítulos 11 e 12

 

     11 – Inaugura-se a linha

               A linha telefônica foi construída com todo o luxo, como é de costume nas obras do governo. Os postes foram até pintados! Era a mais curta linha do mundo: com cem metros de comprimento e dois postos apenas, um no terreiro da casa e outro no acampamento dos caçadores. Um poste foi pintado de verde, outro de amarelo. No dia da inauguração, porém, aconteceu um fato imprevisto: o rinoceronte não veio deitar-se à porteira na hora do costume. Nem apareceu no dia seguinte, nem durante toda a semana. Os caçadores tiveram de armar barracas e ficar ali esperando, pacientemente, que ele se resolvesse a voltar.

               Por que isso? Porque ficava sem jeito inaugurarem a linha sem o rinoceronte atravessado na porteira. Sem rinoceronte poderiam entrar duma vez no terreiro e falar diretamente com a dona da casa. Mas precisavam justificar a construção da linha, e por isso resolveram esperar que o monstro voltasse.

               Vendo as coisas assim encrencadas, Emília resolveu intervir. Foi à Figueira Brava pedir ao rinoceronte que não desapontasse a gente do governo e continuasse a ir dormir na porteira. Não se sabe de que argumentos a boneca usou; o que se sabe é que no dia seguinte, exatamente às três da tarde, o rinoceronte veio de novo, pachorrentamente, deitar-se de atravessado na porteira.

               Houve vivas de entusiasmo no acampamento dos caçadores. Podiam, enfim, inaugurar a linha. Continue lendo “Monteiro Lobato – Caçadas de Pedrinho”

Visitas: 514