apolo e jacinto, 21

apolo e jacinto, 21.
alio estava desconcertado. por que hans o olhara daquele modo? a mulher permaneceu silenciosa. queria perguntar a ela algo que se relacionasse com a morte do menino, não tinha coragem. apanhou as bolsas de couro e ia subindo.
foi a ferida do punhal?
sim. inchou a mão, deu febre muito alta. delirou toda a noite e morreu dois dias atrás.
vou lá em cima com ele. ele pretendia ensinar estes textos a luis. por isso, levou o susto.
subiu lentamente. como enfrentá-lo? um leão machucado? enfurecido? um pássaro agonizando em silêncio? seu próprio coração estava pesado. não sabia o que ia acontecer no castelo, estando luis por perto. ele sabia que teófilo não se afastaria do menino, mas acreditava também que ele o procuraria. seria uma fonte para matar sedes momentâneas, nunca uma cascata para cantarolar interminavelmente o mesmo poema. sonoro, espumante, perigoso. e agora? Sem luis, eu reino sozinho, mas sei que o trono está destruído. 
alio não queria acreditar que seu coração dançava a dança sem ritmo, de uma alegria camuflada. seria covardia declarar a alegria, expô-la. era dessas alegrias que florescem nas sombras, rodeada por espíritos malévolos e atentos. Luis poderia ter viajado!, em vez de morrer! Eu preferiria. Bastava ter viajado!
a ausência abria a porta de um cômodo vazio. A morte de luis me encarcerou, não sei o que será disto tudo.
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apolo e jacinto, 20

apolo e jacinto, 20.

dois cavaleiros brotaram no horizonte. um deles segura as rédeas de um terceiro animal, carregado com bolsas de couro, balançando. dentro das bolsas, pergaminhos e papéis com trechos desconhecidos, trocados com os monges por outros textos, copiados anteriormente por teófilo. cavalgam lentos. o caminho está úmido. a folhagem cresceu de repente. há grande quantidade de brotos novos. a chuva caíra sem cessar durante uma semana, contra a previsão dos mais novos e descrentes, que preferiam banir as superstições de seus mundos, mas garantindo as opiniões dos mais velhos, que acreditavam nos avisos misteriosos da mãe natureza.
ambos blasfemam e cantam. não. no começo, ambos blasfemavam e cantavam. depois, o vermezinho da dor penetrou de mansinho no coração do mais novo. e se apagou, aos poucos, o brilho de seu olhar, o riso fugiu e seu coração foi embrulhado num cobertor negro e triste. não adiantava o cantarolar das águas próximas. não bastava o desvairado canto dos pássaros coloridos que iam e vinham e iam, incansáveis, saltitantes, alegres e despreocupados. não. aquela luz, aquelas cintilações da natureza em absoluta exuberância, aquele azul estupendo, nada daquilo era suficiente. nem mesmo as gargalhadas de teófilo, quando atingia as partes mais obscenas das cantigas que descobrira nos manuscritos recém chegados ao mosteiro, misturadas a sacratíssimos e solenes hinos em honra de todos os santos conhecidos e outros de improvável existência. o olhar de alio era uma flor pendida, sem perfume e sem cor. borboletas não se arriscariam, abelhas não ousariam, nenhuma dessas pequeninas jóias aladas, joaninhas e besouros de faiscante metal, nenhuma, viria contornar sua cabeça pendida para entoar o zumbido da bem-aventurança.
teófilo, num repente, percebeu. freou o animal, procurou aflito uma árvore copada, virou o animal, Vamos ali!, e gritou, vamos ali!
alio desceu, deixou-se tombar mole e, ao se sentir seguro pelos braços do outro, fez cair a cabeça sobre seus ombros.
alio!, alio. o que houve? estava tudo tão bonito e alegre! o que houve?
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apolo e jacinto, 19

apolo e jacinto, 19.

o quê? o que você disse?
não houve resposta imediata. apenas a respiração que se acelerou, o corpo que amoleceu, o soluço que começou a abrir caminho, violentando a coragem de teófilo. sentiu-se aflito, nervoso, lutando angustiado contra algum inseto invisível de ferrão profundo e mortal.
não sei. não sei, alio. está tudo confuso… não sei o que se passa. eu… eu não quero me arrepender. não quero chorar mais. não entendo o que sinto.
vamos sair daqui. eu também tenho medo. alio moveu-se.
alio! não me abandone. eu preciso de você. meu corpo estremece, meu coração se abala, sinto a ameaça de um desencadear de horrores, mas eu vou resistir. eu quero resistir. eu preciso.
sentou-se na cama de repente e segurou alio pelos ombros, com violência. alio assustou-se, tentou acariciá-lo nas mãos…
eu não vou me arrepender. eu não vou me arrepender! tenho que me acostumar, tenho que entender isto. acontece! acontece!
ao perceber que os olhos de alio se perturbavam, que sua luz agonizava, teófilo sentiu algo rebentar dentro dele.
desculpe, alio. você também sofre. desculpe. 
não sei como vai entender o que direi. mas vou dizer. não estou bem, sinto algum aperto, algum esmagamento. mas eu estou feliz.
alio, eu preciso de você. você me assegurou uma conquista imensa.
alio tentou não sorrir. não conseguiu. o sorriso veio, como um passarinho que pousasse em seus lábios, para entoar a canção da felicidade daquelas três últimas noites.
quero que me entenda direito. não é uma conquista da sua pessoa. não é você que eu conquistei. é minha própria covardia! é minha covardia, que eu domei, aprisionei e destruí. não quero ter mais medo. é uma vitória, isto, você entende?
alio baixou os olhos.
não vou mais ter medo. está confuso agora; depois, acho que passa. acho que sei, por que está tudo tão confuso.
alio levantou o rosto. teófilo o fitou, cheio de desolação. os lábios de alio reexplodiram o balão:
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