Monteiro Lobato

Memórias da Emília

 Capítulos 7, 8 e 9

 

7 – Emília descobre o segredo de Popeye.

          Emília foi à cozinha pedir a Tia Nastácia que pusesse uma porção de folhas de couve no pilão e amassasse tudo muito bem, fazendo uma pasta. Nastácia perguntou para quê.

            – “Não é da sua conta” – respondeu a diabinha.

            Tia Nastácia também suspirou. Mas fez a pasta de couve pedida, com a qual a boneca encheu uma latinha. Embrulhou-a num jornal e, muito segura de si, foi ter com Popeye.

            – “Eu sei do seu segredo, Senhor Popeye – disse ela inocentemente. – Chama-se: espi-na-fre. Sem espinafre o senhor vale tanto como um homem qualquer.”

            Popeye fez – pu! pu!

            – “Mas eu também sei – continuou Emília – que o seu espinafre só faz efeito por quinze minutos. Passados quinze minutos o senhor está bambo outra vez.”

            Popeye riu-se grosso, rosnando:

            – “Dobre os quinze minutos e terá acertado. Pu! pu!”

            Emília afastou-se. Era justamente aquilo o que ela desejava saber: quanto tempo durava nos músculos do marinheiro o efeito do espinafre. Correu a conferenciar com Pedrinho.

            – “Escute, Pedrinho. O segredo de Popeye é o espinafre, mas o efeito do espinafre só dura meia hora, diz ele. Como já se passaram vinte minutos desde que engoliu a dose, isso quer dizer que daqui a dez minutos ele pode ser atacado.”

            – “Mas Popeye não engoliu a lata inteira, vi muito bem – observou o menino. – Só metade. Escondeu o resto no oco da figueira. É por isso que não se arreda de lá. Assim que for preciso, engole o resto da lata e fica outra vez dono do mundo por mais meia hora.”

            – “Sei disso – murmurou Emília -, mas vou tomar as minhas providências. Garanto que daqui a dez minutos Popeye poderá ser atacado sem perigo nenhum.”

            – “Atacado por quem?” – gritou Pedrinho.

            – “Homessa! Por você e Peter Pan.”

            – “Deus me livre! – exclamou o menino. – Seria a maior das loucuras. Ele, que moeu o Capitão Gancho e todos os marinheiros do Wonderland, também me moerá enquanto o diabo esfrega um olho. Que ideia!…”

            Emília agarrou Pedrinho, fê-lo abaixar-se e cochichou-lhe qualquer coisa ao ouvido. A cara do menino expandiu-se.

            – “Ahn! – exclamou. – Se é assim, então já não está aqui quem falou. Tudo muda de figura. Que ideia excelente, Emília! A melhor ideia que você teve em toda a sua vida…”

            E ganhando coragem:

            – “Pois está combinado. Eu e Peter Pan atacaremos Popeye daqui a dez minutos.”

            Disse e foi comunicar a sua resolução a Dona Benta e ao Almirante. Os dois velhos ficaram assombradíssimos.

            – “Que loucura, meu filho! – exclamou a boa senhora. – Nem pense nisso. Proíbo-o de pensar nisso.”

            – “Realmente – acrescentou o Almirante – o que este menino propõe não passa de um desvario de criança. Que absurdo! Atacar um monstro de força, que acaba de destruir com a maior facilidade todo um pelotão de vigorosíssimos lobos-do-mar…”

            Pedrinho cochichou no ouvido de Dona Benta o mesmo que Emília cochichara no seu. A velha arregalou os olhos, com expressão de surpresa e alegria.

            – “Bom. Se é assim, então tudo muda de figura. A ideia é excelente…”

            Quem ficou bobo de uma vez ante aquela súbita mudança de opinião foi o Almirante, e como ninguém lhe cochichasse nada aos ouvidos bobo ficou e bobo continuou.

            – “Não estou entendendo nada de tudo isto, minha senhora” – disse ele.

            – “Entenderá daqui a pouco, Senhor Almirante” – respondeu Dona Benta piscando o olho.”

            E gritou para a cozinha:

            – “Nastácia, pode vir saber se o Almirante prefere pipocas ou bolinhos…”

 

8 – A couve de Emília e o espinafre de Popeye. Pedrinho e Peter Pan preparam-se para a luta.

            Popeye estava encostado ao tronco da figueira, de modo a fechar com o corpanzil a abertura do oco. Isso atrapalhava Emilia, cujo plano era entrar na árvore para dizer qualquer coisa ao anjinho. Vendo que pela frente não podia entrar, pensou em outra porta. O tal oco tinha duas aberturas: aquela embaixo e outra em cima, na forquilha dos primeiros galhos – ou a “chaminé”, como os meninos diziam. Essa chaminé ligava o bojo do oco à forquilha e, embora fosse estreita, dava perfeitamente passagem a um corpinho seco e miúdo como o da boneca.

            Mas para subir à figueira era preciso empregar a astúcia e Emilia empregou a astúcia. Foi conversar com Popeye.

            – “Senhor Popeye – disse ela com o arzinho de santa que sabia fazer nas ocasiões graves -, sabe que esta figueira dá uns figuinhos muito gostosos? Os sanhaços e morcegos regalam-se…”

            O marinheiro olhou para cima e viu que realmente a figueira estava coberta de pequeninos figos. – “Pu! pu!” -fez ele com o cachimbo.

            Emilia continuou:

            – “Se o senhor me ajudar a subir lá em cima, posso colher uma quantidade, metade para mim, metade para o senhor…”

            O marinheiro sentiu água na boca, pois gostava muito de figos. Respondeu com um pu! pu!, que queria dizer sim, e ajudou Emilia a trepar à árvore. Logo que se pilhou lá em cima, a espertíssima boneca tratou de procurar a abertura da “chaminé”. Instantes depois estava no bojo do oco, falando com o anjinho.

            – “Nem queira saber, anjinho, o turumbamba que vai lá por fora, tudo por sua causa! Popeye e os marinheiros do navio se pegaram à unha, e Popeye venceu. Escangalhou com todos eles. O Almirante está coçando a cabeça. Não sabe como agir. O plano de Popeye é furtar você daqui. Quer transformar você em estrelinha de cinema, lá em Hollywood.”

            – “Fazer de mim estrelinha? – repetiu a mimosa criatura, com cara de surpresa. – Esse Hollywood é algum céu?”

            – “Não, burrinho! É a cidade do cinema. As estrelas e estrelinhas de lá são de carne e osso, como nós. Mas depois eu explico isto. Agora não há tempo. Vim só para uma coisa. Está vendo esta lata? – e mostrou-lhe a lata de couve moída que trouxera embrulhada num jornal. – Pois é. Você vai pegar esta lata e trocá-la por aquela que o marinheiro Popeye guardou na beira do oco. Só isso. Mas tem de o fazer com muito jeito, de modo que Popeye não perceba coisa nenhuma, está entendendo?”

            O anjinho não estava entendendo nada, o que o não impediu de executar fielmente a ordem de Emília. Pegou a lata de couve, encaminhou-se na ponta dos pés para a abertura do oco e, depois de espiar se o marinheiro estava olhando, fez a troca na perfeição. Nem uma formiguinha que andava por ali percebeu a mudança.

            – “Ótimo! – exclamou Emília quando o viu voltar com a lata de espinafre. – Agora você continua aqui muito quietinho e sem receio de coisa nenhuma. Juro que tudo acabará bem.”

            – “Mas estou com muito medo daquele rato de asa dependurado ali” – disse ele apontando com o dedinho para o teto do oco.

            – “Um simples morcego – explicou Emília. – Feio só. Não morde anjo. Vive de comer os figuinhos desta figueira. Não se impressione. Só não fique debaixo dele porque os tais morcegos comem os figuinhos e às vezes os descomem em cima da cabeça da gente…”

            Feita esta recomendação, Emília esgueirou-se pela chaminé acima. Saiu na forquilha. Caminhou engatinhando por um dos galhos, até alcançar o ramo mais próximo de Popeye, o qual estava de cabeça erguida e boca aberta, procurando enxergar a bonequinha.

            – “Estou aqui! – disse ela mostrando-se. – Apara-me nos braços.”

            Popeye estendeu os braços peludos. Sem medo nenhum Emília deu um pulo – upa!

            – “E os figos?” – perguntou o marinheiro assim que a depôs em terra.

            – “Verdes, meu caro. Não achei um só maduro. Os morcegos não deixam. Assim que vão amadurecendo, eles – nhoque!”

            Popeye desapontou e Emília foi correndo conferenciar com Pedrinho e Peter Pan.

            – “Pronto! – gritou ela ao chegar. – Aqui têm vocês a lata de espinafre do Popeye. Troquei-a por uma igual de couve moída. Quem vai agora engolir o espinafre maravilhoso não é ele, são vocês. Popeye só engolirá couve moída, e com aquela couve no papo ficará bambo como geléia. Que horas são? Vejam se os dez minutos já se passaram.”

            Pedrinho correu à sala de jantar. Viu no relógio da parede que só faltavam três minutos para completar os dez. Voltou correndo.

            – “Faltam só três minutos” – disse ele.

            – “Muito bem – exclamou Emília. – Vocês podem ir engolindo o espinafre – metade cada um.”

            Pedrinho tomou a lata e engoliu metade, fazendo uma careta. Pe-ter Pan engoliu o resto, fazendo outra careta.

            – “Pode ser excelente para dar força – disse ele -, mas gostoso não é…”

            Alice, que andava em procura de Emília, apareceu nesse momento.

            – “Arre que a achei!” – exclamou.

            – “Que há de novo?” – quis saber Emília.

            – “Há que a criançada está num verdadeiro pavor, falando em fugir do sítio e outras coisas assim. Tenho feito tudo para sossegá-las, mas não consigo.”

            – “Isso de criançada inglesa é lá com o Almirante Refém Brown. Ele que as trouxe, ele que se arrume.”

            – “Já falei com o Almirante – tornou Alice -, mas não valeu de nada. O pobre velho está completamente bobo. Não sabe o que fazer. Tenho até medo que de repente caia morto de congestão cerebral.”

            – “Não morre, não – gritou Emília. – Daqui a minutos o problema estará completamente resolvido por nós e você vai ver a cara de riso do Almirante.”

            – “Minutos?” – repetiu Alice, sem nada compreender.

            – “Minutos, sim, menina. Nós vamos dar um pega tremendo no tal Popeye.”

            Alice cada vez compreendia menos.

            – “Pega tremendo? Será que Dona Benta mandou vir algum exército com canhões para atacá-lo? Não estou entendendo esse seu ‘nós vamos’, Emília…”

            – “Pois nós somos nós, eu, Pedrinho e Peter Pan. Vamos dar cabo da prosa do Popeye, nós três. É isso.”

            Alice julgou que fosse brincadeira.

            – “Como?” – perguntou.

            – “Comendo – respondeu Emília. – Comendo espinafre aqui e couve moída lá. Ah, ah, ah!…”

            – E vendo a cara de boba de Alice:

            – “Não pense mais nisto, minha cara. É ponto liquidado. Vamos à cozinha ver o que há de bom. Tia Nastácia já deve ter uns bolinhos prontos” – e, agarrando-a pela mão, levou-a à cozinha. Nastácia estava de fato fritando bolos. Emília fez a apresentação.

            – “Esta aqui, Tia Nastácia, é a famosa Alice do País das Maravilhas e também do País do Espelho, lembra-se?”

            – “Muito boas tardes, Senhora Nastácia!” – murmurou Alice cumprimentando de cabeça.

            – “Ué! – exclamou a preta. – A inglesinha então fala nossa língua?”

            – “Alice já foi traduzida em português – explicou Emília. – E voltando-se para a menina: – Gosta de bolinhos?” – Nastácia apresentou-lhe um na ponta do garfo.

            – “Prove, menina bonita.”

            Alice devorou o bolinho, arregalando os olhos – e pediu a receita.

            Nastácia riu-se.

            – “Receita, dou; mas a questão não está na receita, está no jeitinho de fazer. Outro dia esteve cá a sogra do Nhô Teodoro e também quis a receita. Dei. Sabe o que aconteceu? Ela fez o bolinho pela receita e saiu uma borracha. Ninguém pôde comer. Ah, ah, ah! Isto de cozinhar, menina, tem seus segredos. Só mesmo para uma criatura como eu que nasci no fogão e no fogão hei de morrer…”

 

9 – A grande luta. Pedrinho e Peter Pan batem Popeye. Palavras do Almirante para Emília.

           Passados três minutos, Emília voltou para onde estavam Pedrinho e Peter Pan.

            – “Pronto! – disse ela. – De agora em diante vocês podem atacar o monstro. Já se passou a meia hora. Acabou o efeito do espinafre que Popeye engoliu.”

            – “E nós já estamos sentindo o efeito do que engolimos” -, disse Peter Pan, e para o provar pegou uma ferradura que estava no chão e partiu-a pelo meio, rindo.

            Entraram a combinar o plano de ataque.

            – “Eu avanço – disse Pedrinho – e desafio Popeye. Ele ri-se. Chupa o cachimbo e faz -pu! pu! -E nem pensa no espinafre, vendo que somos dois crilas. Vou eu então e assento-lhe um pé-de-ouvido. Você do outro lado assenta-lhe um pontapé. Popeye, então, percebendo que somos crilas especiais, volta-se para a lata de espinafre e engole a couve moída. E fica mais bambo ainda. E vou eu e…”

            Assim combinado o ataque, os dois meninos encaminharam-se na direção da figueira, seguidos da Emília.

            Enquanto isso, lá na saleta Dona Benta caçoava com o Almirante.

            – “Tome este cafezinho – dizia ela, apresentando-lhe uma xícara. – Nada melhor do que o café para estimular os nervos e levantar o moral.”

            Mas o abatimento do Almirante era enorme. Estava a pensar nas suas tremendas responsabilidades. Que conta iria dar ao rei? Fora escolhido como o homem de mais confiança de Sua Majestade. Graças a isso os pais de toda aquela criançada lhe entregaram os filhos. Ora, se acontecesse uma desgraça, se Popeye na sua bebedeira investisse contra as crianças e as machucasse, que contas daria ele ao rei e aos pais?

            – “Minha senhora – disse o pobre Almirante -, acho bom telegrafarmos ao governo brasileiro pedindo a remessa imediata de tropas. Só com um batalhão bem servido de metralhadoras poderemos dar cabo desse monstro.”

            Dona Benta ria-se.

            – “Não é preciso tanta coisa, Almirante! Vossa Honra não conhece o engenho de meus netos. Não há o que eles não consigam. Pois se até ao céu já foram!…”

            – “Sei disso – respondeu o Almirante. – Mas a viagem ao céu foi feita graças ao tal pó de pirlimpimpim, e a senhora mesma me disse que já o gastaram todo. Se ainda houvesse algum restinho poderia ser que…”

            – “Eles hão de arrumar-se, Almirante. Mesmo sem o pó maravilhoso hão de dar um jeitinho.”

            O Almirante não podia compreender a calma da velha.

            – “Jeitinho! Jeitinho! – exclamou. – Há dez minutos que a senhora está a falar nisso. Que jeitinho? Como pode haver jeitinhos contra o colosso que acaba de destroçar os melhores homens do Wonderland?”

            Dona Benta ria-se, ria-se.

            – “Tome o seu café sossegado, Almirante, e deixe tudo por conta da criançada. O senhor não conhece meus netos…”

            O Almirante suspirou e assoprou.

            Lá no pomar Pedrinho e Peter Pan pararam diante de Popeye.

            – “Amigo Popeye – começou Pedrinho -, sabemos que você é o rei dos valentes e que tem corrido mundo a escangalhar quantos inimigos aparecem. Hoje mesmo praticou uma grande façanha com o amassamento do Capitão Gancho e dos marinheiros do Wonderland. Foi uma aventura magnífica, não resta dúvida. Mas agora vai medir-se conosco. Prepare-se.”

            Popeye olhou bem para os dois crilas e nem sequer se dignou a responder. Chupou só o cachimbo – pu! pu!…

            – “Faça pu! pu! quanto quiser – disse Peter Pan -, porque esses pu-pus serão os últimos. A sova que vamos dar em você há de ser escrita em livros.”

            Popeye fez mais dois pu-pus – os últimos.

            Inesperadamente Pedrinho avançou e assentou-lhe um murro no pé do ouvido; Peter Pan avançou do outro lado e deu-lhe um tremendo pontapé na barriga.

            Dois golpes só, mas dois golpes de tal ordem que Popeye arregalou os olhos. Viu que tinha pela frente contendores mais perigosos que todos os marinheiros do Wonderland. E não quis saber de histórias – correu para a lata de espinafre escondida no oco. Tomou-a e engoliu tudo, fazendo uma careta. Esfregou a barriga e avançou contra os meninos.

            Ah! Que tourada bonita! Os dois meninos espinafrados caíram de murros em cima do marinheiro encouvado, como cães famintos que se lançam ao mesmo osso. Foi murro de todas as bandas, de todo jeito e de todos os calibres. Popeye virou peteca. Um soco de Pedrinho o jogava sobre Peter Pan. Vinha o soco de Peter Pan que o arremessava sobre Pedrinho. E naquele vaivém ficou Popeye por dois minutos, enquanto a criançada em redor batia palmas e gritava:

            – “Outro! Outro! Um murro nos queixos agora!…”

            Quem teve a honra de pregar o grande murro nos queixos, o murro que derruba nocaute, foi Pedrinho. Assentou um murro debaixo para cima – baf! Popeye deu duas voltas no ar e aplastou-se no chão, sem sentidos. Pedrinho agarrou-o então por uma perna e puxou-o para junto da massa do Capitão Gancho.

            – “Pronto!” – gritou em seguida, virando-se para a criançada.

            – “Cocoricocó! – cantou Peter Pan.

            Romperam palmas e vivas. Uma gritaria medonha.

            – “Viva Pedrinho! Viva Peter Pan!…” Quando o berreiro chegou à sala, Dona Benta sorriu e disse a Mr. Brown:

            – “Pronto, Almirante. Popeye já está nocaute.”

            – “Como sabe?”

            – “Não ouve os gritos de vitória? Eu tinha certeza de que ia ser assim e por isso não me incomodei. Popeye derrotou os marinheiros do Wonderland, venceu o Capitão Gancho, mas com os meus netos ele se estrepou. São uns danadinhos…”                 

            Tia Nastácia apareceu nesse momento.

            – “Corra, Sinhá! – dizia ela. – Venha ver! Seu Pedrinho e aquele outro deram uma tunda no marinheiro do pu! pu! que o coitado virou massa de gente. Venha ver que coisa linda, Sinhá…”

            Dona Benta e o Almirante foram ver. E viram. Viram Popeye sem sentidos, ao lado do corpo amassado do Capitão Gancho. E viram também uma coisa muito curiosa: os marinheiros do Wonderland, que pareciam mortos, começaram a ressuscitar. Ergueram-se e vieram fazer roda em torno das duas massas de gente.

            – “Que é isso? – interpelou Mr. Brown. – Não estavam mortos, então?”

            Um deles respondeu por todos:

            – “Tonteados apenas, Almirante; mas como vimos que era impossível vencer Popeye, ficamos caídos no chão, a fingir de mortos.”

            – “Bem – disse o Almirante, satisfeito de não ter perdido os seus homens. – Levem para o navio estes dois fregueses, e, antes que voltem a si, ponham-nos a ferros. A Justiça inglesa os julgará.”

            Os marinheiros agarraram as duas massas de gente e se foram com elas para o caminhão dos sanduíches.

            – “Uf!- exclamou o velho inglês. – Que susto raspei! Nem o grande Almirante Nelson jamais se viu numa alhada semelhante. Mas muito eu desejaria que a senhora me explicasse todo este mistério.”

            Dona Benta explicou.

            – “Nada mais fácil, Almirante. Uma simples troca de latinhas que a Emília fez. O pobre Popeye só é gente depois que ingere o tal espinafre da lata. Mas Emília trocou a sua lata de espinafre por uma de couve moída, e trouxe o espinafre para os meninos. Só isso…”

            – “E por que a senhora não me avisou há mais tempo? Por que me fez passar por tamanhas angústias?” – queixou-se o coitado.

            – “Para proporcionar a Vossa Honra o imenso prazer que neste momento está sentindo” – respondeu a velha.

            O Almirante chamou Emília para receber os seus cumprimentos.

            – “Tudo dependeu da sua ideia, Senhora Marquesa – disse ele. – A principal coisa foi trocar a lata de espinafre pela de couve moída. Cabe-lhe, portanto, a grande honra deste memorabilíssimo feito, e estou certo de que Sua Majestade britânica saberá recompensá-la devidamente. Talvez a faça baronesa do Império.”

            – “Prefiro que Sua Majestade britânica me mande uma caixa de latas de leite condensado” – respondeu a boneca.

            O maior prazer de Emília era abrir dois furos na tampa duma lata de leite condensado para escorrer o fio num prato, desenhando letras. Dois furinhos – um para a saída do leite, outro para a entrada do ar. Com um furo só o leite não sai.

Logo depois…

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