O Sítio… Décima Parte

O SÍTIO DO PICA-PAU AMARELO

 REINAÇÕES  DE  NARIZINHO

Décima Parte: Pena de Papagaio

1 – A voz

            A história de Peter Pan, que dona Benta contara aos meninos certo dia, tinha-os deixado de cabeça virada. Narizinho só pensava em Wendy; Pedrinho só pensava em Peter Pan, “o menino que nunca quis crescer”.

            Pedrinho também não queria crescer, mas estava crescendo. Cada vez que apareciam visitas era certo lhe dizerem, como se fosse um grande cumprimento:

            “Como está crescido!” e isso o mortificava.

            Um dia, em que estava no pomar trepado numa goiabeira, comendo as goiabas boas e jogando as bichadas para Rabicó, entrou pela centésima vez a pensar naquilo.

            — Que maçada! — murmurou de si para si. -Tenho de crescer, ficar do tamanho do tio Antônio, com aquele mesmo bigode, feito um bicho cabeludo, embaixo do nariz e, quem sabe, aquela mesma verruga barbada no queixo. Se houvesse um meio de ficar menino sempre…

            — Há coisa ainda superior — respondeu atrás dele uma voz desconhecida.

            Pedrinho levou um grande susto. Olhou para todos os lados e nada viu. Não havia ninguém por ali.

            — Quem está falando? — murmurou com voz trêmula.

            A mesma voz respondeu:

            — Eu!

            — Eu, quem? Eu nunca foi nome de gente.

            Pedrinho, que andava com Peter Pan na cabeça, pensou imediatamente nele. Só Peter Pan, no mundo inteiro, teria a idéia de vir pregar-lhe aquela peça. Para certificar-se, perguntou:

            — Que altura você tem?

            — A sua, mais ou menos.

            — E que idade tem?

            — Mais ou menos a sua.

            Se tinha a altura e a idade dele, era um menino como ele, e se era um menino como ele, quem mais se não Peter Pan? Pedrinho sentiu uma grande alegria. O endiabrado Peter Pan ia aparecer outra vez.

            Para certificar-se ainda mais, perguntou:

            — Que veio fazer aqui?

            — Ensinar a todos daqui um grande segredo.

            Não podia haver dúvida. Era Peter que tinha vindo mesmo ensinar o segredo de não crescer. A alegria de Pedrinho aumentou de um palmo.

            — Você não me engana! — gritou, piscando o olho. — Você é Peter Pan que está escondido não sei onde.

            A voz fez cara de desentendida.

            — Peter Pan? Quem é? Nunca o vi mais gordo e nem de nome conheço tal freguês.

            Pedrinho desnorteou. Aquela resposta veio atrapalhar todos os seus cálculos. Mesmo assim não se deu por vencido.

            — É, sim — afirmou de novo — porque só Peter Pan sabe o segredo de não crescer, e o segredo que você veio ensinar não pode ser outro.

            A voz deu uma risada.

            — Você quer ser esperto demais, mas não passa dum bobo. O segredo que vim ensinar é muito mais importante. Sei o jeito de tornar uma pessoa invisível como eu.

            Tal impressão causaram no menino aquelas palavras que ele perdeu o pé, escorregou da árvore e veio de ponta-cabeça ao chão.

            Felizmente era goiabeira baixa e não se machucou. Pedrinho ergueu-se, deu uns tapas nas folhas secas que lhe pegaram na roupa e indagou:

            — Voz duma figa, onde é que você está?

            — Aqui, ali e acolá — respondeu a voz.

            A pior coisa do mundo é falar com criaturas invisíveis. A gente não sabe para onde virar-se. Assim estava Pedrinho, e para mais atrapalhá-lo a voz ora vinha da direita, ora da esquerda.

            — Deve ser muito bom ser invisível — disse Pedrinho. — Quantas vezes conversamos sobre isso eu e Narizinho!…

            — Quem é ela?

            — Minha prima Lúcia, a menina do nariz arrebitado. Narizinho também quer ficar invisível. Você lhe ensina o jeito?

            — Ensino aos dois, se merecerem.

            — E que temos de fazer para merecer?

            — Viajar comigo pelo mundo das maravilhas. É lá que se tira a prova de quem merece ou não merece receber este dom das fadas. O primeiro menino invisível que apareceu no mundo fui eu, mas me sinto muito só. Preciso de companheiros. Por isso vim.

            — Obrigado pela lembrança. Mas onde é esse mundo das maravilhas?

            — Em toda parte. Olhe, tenho aqui o mapa — disse a voz tirando do bolso um papel dobrado.

            Pedrinho achou muita graça de ver o mapa dobrado abrir-se no ar, como se se abrisse por si mesmo. Espichou a mão, pegou-o e examinou-o.

            — Que bonito! — exclamou depois de ler os nomes de todas as terras e mares. — Até o sítio de vovó está marcado, com o chiqueirinho de Rabicó bem visível. Como obteve este mapa?

            — Viajando de lápis na mão. O mundo das maravilhas é velhíssimo. Começou a existir quando nasceu a primeira criança e há de existir enquanto houver um velho sobre a terra.

            — É fácil ir lá?

            — Facílimo ou impossível. Depende. Para quem possui imaginação, é facílimo.

            Pedrinho não entendeu muito bem. A voz dizia às vezes coisas sem propósitos — talvez para atrapalhar.

            — Muitos viajantes têm visitado esse mundo — continuou a voz. – Entre eles, os dois irmãos Grimm e um tal Andersen, os quais estiveram lá muito tempo, viram tudo e contaram tudo direitinho como viram. Foram os Grimm os que primeiro contaram a história de Cinderela exatinha como foi. Antes deles já essa história corria mundo, mas errada, cheia de mentiras.

            — Bem me estava parecendo — murmurou Pedrinho. – Tenho um livro de capa muito feia que conta o caso de Cinderela diferente do de Grimm.

            — Bote fora esse livro. Grimm é que está certo.

            — Mas o mapa? — interrogou Pedrinho. — Pode ficar comigo?

            — Pode. Sei de cor todas as terras. Mas não o perca, que é o único que existe.

            — Fique descansado — disse o menino guardando o mapa no bolso. — Resta agora saber qual o meio de lá ir.

            — Não se preocupe com isso. Tenho jeitos para tudo. Guiarei você.

            — E quando?

            — Quando quiser. Amanhã, por exemplo.

            — Pois muito bem — concluiu Pedrinho. — Partiremos amanhã.

            Pela madrugada estarei neste ponto com a minha prima Lúcia. Está combinado?

            — Cócóricócó! — foi a resposta da misteriosa voz, que dali por diante emudeceu — sinal de que o dono dela se retirara.

            Pedrinho ficou no mesmo lugar ainda algum tempo, pensando, pensando.

            Lembrou-se de que Peter Pan tinha aquela mesma mania de cantar como galo. Suas dúvidas voltaram. Seria Peter Pan?

 

2 – Preparativos

            Depois voltou para casa a correr, aflito por contar a Narizinho o estranho acontecimento. E desfiou tudo, num atropelo.

            A menina abriu a boca.

            — Mas que jeito tinha ele? — indagou ela, ardendo em curiosidade.

            — Como posso saber, se era invisível? A voz parecia de menino. Disse que tem minha altura e minha idade. Gosta de cantar como galo, tal qual Peter Pan. Desconfiei que fosse Peter Pan, mas a voz declarou que não, que nem de nome o conhece.

            — É extraordinário! — murmurava Narizinho, olhando para o mapa aberto no chão. — Venha ver, Emília.

            A boneca, que estava brincando de esconder com o Visconde, veio depressa, muito tesinha, toe, toe, toe. Olhou para o mapa, fez suas críticas e, dando com o chiqueirinho de Rabicó, berrou:

            — Ande, Visconde, venha ver uma coisa! E como o Visconde não viesse logo, correu a buscá-lo e fincou-o no mapa com tanto estouvamento que furou o Mar dos Piratas.

            Depois de olhado e reolhado e decorado aquele mapa, Pedrinho pensou nos preparativos.

            — Temos de resolver tudo já, porque amanhã de madrugada é a partida. Antes de mais nada preciso saber quem vai e quem não vai.

            — Acho que devemos ir todos, menos Rabicó — opinou a menina. — Rabicó está muito malcriado. Vai Emília, vai Faz-de-conta, vai o Visconde…

            — Faz-de-conta, não! — berrou a boneca. — Tenho vergonha de andar com uma feiúra daquelas. O Visconde, sim, porque preciso dele.

            Venceu a opinião da boneca. Faz-de-conta ficava e o Visconde ia.

            — E a bagagem? — lembrou a menina. — Valerá a pena levar alguma?

            — Acho que não — disse Pedrinho. — O menino invisível é da marca de Peter Pan, dos tais que sabem dar jeito a tudo e fazem surgir o que é preciso. Foi essa a minha impressão.

            Ficou resolvido não levarem nada.

            — Muito bem — disse Pedrinho. — Nesse caso, tratemos de dormir mais cedo, porque temos de sair de madrugadinha.

            Dona Benta estranhou aquela ida para a cama tão antes da hora e disse para tia Nastácia: “Temos novidades amanhã!…”

            Só Emília não foi dormir. A boneca tinha idéias especiais sobre tudo, e tudo fazia diferente dos outros. Por isso resolveu levar bagagem e passou parte da noite a arrumar uma célebre canastrinha de couro que dona Benta lhe dera. Botou dentro uma pena de papagaio, uma perna de tesoura de unha encontrada no lixo, o famoso alfinete de pombinha que filara da negra e mais quitandas.— A gente precisa se precatar — dizia ela no meio do quarto, de mãos na cintura, repetindo uma frase que tia Nastácia usava muito. Vendo que não havia esquecido de coisa nenhuma, tratou de fechar a canastra. Não pôde. Estava cheia demais.

            — Visconde! — berrou. — Venha me ajudar a “espremer” esta malvada.

            O pobre Visconde de sabugo cada vez mais verde de bolor e todo duro de reumatismo, veio lá do seu canto, gemendo.

            — Sente-se em cima e esprema a tampa até arrebentar.

            Felizmente para o Visconde não foi preciso tanto. A canastrinha teve dó dele e deixou-se fechar antes que o pobre sábio rebentasse.

 

3 – A partida

            Alta madrugada os meninos pularam da cama, vestiram-se, e, pé ante pé, dirigiram-se ao pomar sem que dona Benta percebesse coisa nenhuma. Emília foi atrás, muito tesinha, também na ponta dos pés. O Visconde, de canastra às costas, fechava o cortejo. Assim que abriram a porteira, ouviram um canto de galo do lado do pé de goiaba.

            — Cocóricó!

            Pedrinho reconheceu a “voz”.

            — É ele! — exclamou. — Já está à nossa espera no ponto marcado.

            Correram todos para lá, mas como nada vissem, pararam desnorteados. Nisto um segundo cocoricó se fez ouvir no alto da goiabeira. O menino invisível, além de guloso, não perdia tempo…

            — Você está aí em cima? — perguntou Pedrinho, de nariz para o ar.

            — Não está “vendo”? — respondeu a voz. — Acostume-se a saber onde estou sem me ver — e para dar a primeira lição atirou com uma casca de goiaba bem na cara de Pedrinho, dizendo: — Aprendeu?…

            — Aprendi — respondeu Pedrinho rindo. — Agora desça, que quero apresentar minha prima Lúcia e os outros.

            — Não é preciso. Sei que Lúcia é essa de narizinho arrebitado. A outra é a tal Emília, marquesa de Rabicó. Só não conheço o de cartolinha e canastra às costas.

            — Este é o ilustre senhor Visconde de Sabugosa, um sábio.

            — Que é que ele sabe ? — perguntou a voz, arrumando com outra casca de goiaba na cartola do Visconde.

            Todos no sítio consideravam o Visconde um grande sábio, mas na realidade ninguém sabia o que ele sabia. Por isso atrapalharam-se com a pergunta. Mas Emília, que não se atrapalhava com coisa nenhuma, disse logo, toda espevitada:

            — Ele sabe embolorar muito bem. Fica todo verdinho por fora, quando quer. É doutor em bolor.

            Desta vez quem se atrapalhou foi a voz, que com certeza nunca tinha ouvido falar em bolor.

            De repente — pluf! barulho de alguém que pula de árvore ao chão. Era a “voz” que havia descido, plantando-se no meio deles.

            — Estamos na hora — disse ela. — Temos de partir antes que o sol nasça. Que é do mapa?

            Pedrinho tirou do bolso o mapa e apresentou-o. A voz pegou-o, abriu-o e ficou a ver.

            Narizinho arregalava os olhos. Aquele mapa que se abria no ar como que por si mesmo, e ficava parado, pareceu-lhe uma coisa extraordinária. O misterioso menino era invisível, mas não tornara invisíveis os objetos que pegava.

            Isso deu imediatamente uma idéia a Pedrinho.

            — Lembrei-me duma coisa — disse ele. — Como é muito enjoado lidar com um companheiro de viagem que a gente não pode ver, proponho que você traga uma pena no chapéu. Pela pena saberemos onde você está.

            — Seria ótima a idéia — respondeu a voz — se eu usasse chapéu. Mas não uso coisa nenhuma sobre o corpo, se não todos me perceberiam e de nada valeria ser invisível.

            — Ai, que vergonha! — exclamou Emília tapando a cara com as mãos. — Que não dirá dona Benta quando souber que estamos em companhia dum ente que não usa roupas?

            — Deixe de ser idiota, Emília — ralhou Narizinho. — Você não entende nada de criaturas invisíveis.

            Não podendo usar a pena no chapéu, que não tinha, Pedrinho propôs que a amarrasse à testa com um fio. Foi aprovada a idéia. Mas onde arranjar pena e fio?

            — Tenho uma de papagaio na minha bagagem — gritou Emília. — Arreie a carga, Visconde, e abra a canastra.

            O Visconde arriou a canastra, abriu-a e passou à boneca a pena de papagaio e um rolinho de fio de linha. A pena foi atada à testa do menino invisível e desde esse momento não houve mais dificuldade em lidar com ele. A pena flutuante no ar indicava a sua presença.

            — Viva o Peninha! — gritou Emília — e aquele grito foi um batismo. Dali por diante só o iriam chamar assim — o Peninha.

            Resolvido aquele ponto, trataram de partir. Para isso o menino invisível tirou dum saquinho certo pó de pirlimpimpim. Deu uma pitada a cada um, e mandou que o cheirassem. Todos o cheiraram — sem espirrar, porque não era rapé. Só Emília espirrou. A boneca espirrava com qualquer pó que fosse, desde o dia em que viu tia Nastácia tomar rapé. Assim que cheiraram o pó de pirlimpimpim, que é o pó mais mágico que as fadas inventaram, sentiram-se leves como plumas, e tontos, com uma zoeira nos ouvidos. As árvores começaram a girar-lhes em torno como dançarinas de saiote de folhas e depois foram se apagando. Parecia sonho. Eles boiavam no espaço como bolhas de sabão levadas por um vento de extraordinária rapidez. Ninguém falava, nem podia falar, a não ser a boneca, que em certo ponto gritou:

            — Preciso mais pó, Peninha! Sinto que estou caindo!

            — É que estamos chegando — respondeu a voz.

            De fato. A tonteira começou a passar e as árvores foram se tornando visíveis outra vez. Segundos depois sentiram terra firme sob os pés. Tinham chegado. Os meninos abriram uns olhos do tamanho de goiabas. Olharam em torno. Um rio de águas cristalinas corria por um vale de veludo verde. Na beira do rio, um carneirinho branco preparava-se para beber. Ao fundo, alta montanha azul erguia-se majestosa, e entre o rio e a montanha era a floresta.

            — Estamos no País das Fábulas, também chamado Terra dos Animais Falantes — explicou Peninha. — Vamos começar aqui a nossa viagem pelo Mundo das Maravilhas.

 

4 – O Senhor de La Fontaine

            — Que lindo lugar! — exclamou Pedrinho. — Aqui é que devia ser o sítio de vovó.

            A menina também se mostrou maravilhada. Mas Emília fez cara de pouco caso. Tinha tido uma decepção. Que pena não terem começado a viagem pelo Mar dos Piratas! Emília andava com a secreta esperança de ser raptada por algum famoso pirata, que comesse Rabicó assado e se casasse com ela. O sonho de Emília era tornar-se mulher de pirata — para “mandar num navio”.

            — Mas será mesmo que os animais desta terra são falantes, ou faz de conta que falam? — perguntou Narizinho.

            — Falam pelos cotovelos! — respondeu Peninha. — Falam para que possa haver fábulas. Vamos andando por este rio acima que logo encontraremos algum.

            Nisto viram um homem de cabeleira encaracolada, vestido à moda dos franceses antigos. Usava fivelas nos sapatos, calções curtos e jaqueta de cintura. Na cabeça trazia chapéu de três pontas, e renda branca no pescoço e nos punhos. Apoiava-se em comprida bengala e vinha caminhando pausadamente, como quem está pensando.

            — Parece uma figura que vi naquele leque de dona Benta — disse Emília. — Com certeza é o dono do carneirinho.

            — Não! — afirmou Peninha. — Aquele homem é o senhor de La Fontaine, um francês muito sábio, que passa a vida nesta terra a observar a vida dos animais.

            — Conheço-o muito — disse Pedrinho. — Tenho em casa um livro dele. O senhor de La Fontaine aproximou-se do rio e, escondendo-se atrás duma moita, ficou por ali a espiar. O carneirinho estava com sede. Foi se chegando ao rio, espichou o pescoço e — glut, glut, glut, — começou a beber. Nisto, outro animal, de cara feroz e muito antipático, saiu da floresta, farejou o ar e dirigiu-se para o lado do carneirinho. Vinha lambendo os beiços.

            — É o lobo! — cochichou Peninha. — Vai devorar o cordeirinho da fábula.

            — Que judiação! — exclamou a menina com dó. — Não deixe, Pedrinho. Jogue uma pedra nele.

            — Psiu! — fez Peninha. — Não atrapalhem a fábula. O senhor de La Fontaine lá está, de lápis na mão, tomando notas.

            O lobo chegou-se para junto do carneirinho e disse, com a insolência própria dos lobos:

            — Que desaforo é esse, seu lanzudo, de estar a sujar a água que vou beber? Não vê que não posso servir-me dos restos dum miserável carneiro?

            O pobrezinho pôs-se a tremer. Conhecia de fama o lobo, de cujas garras nenhum carneiro escapava. E com a voz atrapalhada pelo medo respondeu:

            — Desculpe-me, senhor lobo, mas Vossa Lobência está do lado de cima do rio e eu estou do lado de baixo. Assim, com perdão de Vossa Lobência creio que não posso turvar a água que Vossa Lobência vai beber.

            — E falam mesmo! — exclamou Emília. — Falam tal qual uma gente…

            O lobo parece que não esperava aquela resposta, porque engasgou e tossiu três vezes. Depois disse:

            — E não é só isso. Temos contas velhas a ajustar. O ano passado o senhor andou dizendo por aí que eu tinha cara de cachorro ladrão. Lembra-se?

            — Não é verdade, Lobência, porque só tenho três meses; o ano passado eu ainda estava no calcanhar de minha avó.

            — Toma! — exclamou Narizinho em voz baixa. Por esta o lobo não esperava.

Quero só ver agora o que ele diz.

            O senhor de La Fontaine, lá na moita, escrevia, escrevia…

            Aquela resposta atrapalhara o lobo, que além de mau era curto de inteligência, ou, para ser franco, burro. Tossiu mais umas tossidas e por fim achou a resposta.

            — Sim — rosnou ele — mas se não foi você, foi seu irmão mais velho, o que dá na mesma.

            — Como pode ser isso, Lobência, se sou filho único?

            Vendo que com razões não conseguia vencer o carneirinho, o lobo resolveu empregar a força.

            — Pois se não foi seu irmão, foi seu pai, está ouvindo? – e avançou para ele de dentes arreganhados. E já ia fazendo — nhoc! quando o senhor de La Fontaine pulou da moita e lhe pregou uma bengalada no focinho.

            Mestre lobo não esperava por aquilo. Meteu o rabo entre as pernas e sumiu-se pela floresta a dentro.

            Grande alegria na meninada. Emília correu a brincar com o carneirinho, enquanto os outros se dirigiam para o lado do senhor de La Fontaine.

 

5 – Emília e La Fontaine

            Narizinho sabia duas palavras em francês — bonjour e au revoir. Os outros não sabiam nenhuma. Em vista disso os outros a empurraram para falar com o fabulista. A menina atrapalhou-se já no começo, porque em vez de bonjour disse:

            — Au revoir, senhor de La Fontaine! Acabamos de chegar do sítio de vovó e vimos a bengalada que o senhor pregou no focinho daquele lobo antipático. Muito bem feito. Queira aceitar os nossos parabéns. Bonjour.

            O fabulista achou muita graça em tanta inocência e, erguendo-a do chão, deu-lhe um beijo na testa. Depois disse:

            — Não precisa falar francês comigo, menina. Entendo todas as línguas, tanto a dos animais como a das gentes.

            Os outros já o haviam rodeado — inclusive Emília, que deixou para brincar com o carneirinho depois. Estava ela muito admirada das roupas do fabulista. Homem de gola e punhos de renda, onde já se viu isso? E aquela cabeleira de cachos, feito mulher! Quem sabe se o coitado não tinha tesoura? — pensou a boneca.

            O senhor de La Fontaine conversou com todos amavelmente, dizendo que era aquele o lugar do mundo de que mais gostava. Ouvia os animais falarem, aprendia muita coisa e depois punha em verso as histórias.

            — Eu já li algumas das suas fábulas — disse Pedrinho. – O senhor escreve muito bem.

            — Acha? — disse o modesto sábio, sorrindo. — Fico bastante contente com a sua opinião, Pedrinho, porque muitos inimigos em França me atacam, dizendo justamente o contrário.

            — Não faça caso! — gritou Emília. — Eles não sabem o que dizem. Pedrinho quando diz uma coisa é porque é. Pode acreditar nele.

            — Obrigado pelo consolo, bonequinha. Tua opinião e a de Pedrinho valem muito para mim, porque em ambas vejo grande sinceridade.

            Emília não tirava os olhos da cabeleira do fabulista. O coitado morava sozinho naquelas paragens e com certeza nem tesoura tinha, pensava ela. De repente teve uma lembrança. Abriu a canastrinha e, tirando de dentro a perna de tesoura, ofereceu-a ao sábio, dizendo:

            — Queira aceitar este presente, senhor de La Fontaine.

            O fabulista arregalou os olhos, sem alcançar as intenções da boneca.

            — Para que quero isso, bonequinha?

            — Para cortar o cabelo…

            — Oh! — exclamou o fabulista, compreendendo-lhe afinal a idéia e sorrindo.

            — Mas não vês que a tua tesoura tem uma perna só?

            Emília, que não se atrapalhava nunca — respondeu prontamente:

            — Pois corte o cabelo dum lado só.

            Narizinho interveio. Puxou-a dali e disse ao fabulista que não fizesse caso visto como a boneca sofria da bola.

            Nesse momento o menino invisível, que tinha estado longe, aproximou-se. Ao ver aquela pena flutuante no ar, o senhor de La Fontaine ficou intrigado. Pôs-se a olhar, com rugas na testa, sem poder descobrir o mistério.

            Emília deu uma risada caçoísta.

            — O senhor, que é um sábio da Grécia, adivinhe, se for capaz, que pena de papagaio é aquela, sem papagaio atrás…

            O fabulista olhava, olhava e cada vez compreendia menos.

            — Não posso — disse afinal. — É um perfeito mistério para mim.

            — Pois eu sei — berrou Emília. — É a marca do menino invisível, o Peninha.

            O fabulista ficou na mesma. Foi preciso que Pedrinho contasse tudo desde o começo para que o enigma se aclarasse. Mesmo assim o senhor de La Fontaine ficou de boca aberta e olhos arregalados porque nunca em sua vida tinha encontrado uma criatura invisível.

            Pedrinho chamou-o de parte e disse-lhe ao ouvido:

            — Ando desconfiado que esse menino é o mesmo Peter Pan. Tem igual modo de falar e igual mania de cantar de galo. Que é que o senhor pensa disto?

            O pobre fabulista, que não tinha a menor idéia de quem fosse Peter Pan, menino descoberto na Inglaterra muito recentemente, não pôde dar opinião a respeito.

            — Não sei, Pedrinho. Vocês estão a falar de coisas muito novas para um homem tão antigo como eu.

            Depois, vendo o sol já alto, propôs:

            — Aproveitemos o tempo para mais uma fábula.

            Disse e dirigiu os passos para o ponto onde havia uma árvore com cigarra cantando. Todos o acompanharam. Pedrinho ia rente. Prestava a maior atenção aos menores movimentos do fabulista porque desejava aprender a escrever fábulas lindas como as dele. Até da marca e número do lápis que o senhor de La Fontaine usava Pedrinho tomou nota, para comprar um igual. Em certo momento Emília criou coragem e, colocando-se longe de Narizinho para evitar algum beliscão, disse para o sábio:

            — Em troca da tesoura eu quero uma coisa, senhor de La Fontaine.

            — Dize lá o que é, bonequinha.

            — Quero uma fábula.

            — Uma fábula duma perna só? — caçoou ele.

            — Uma fábula onde apareça um carneirinho, uma boneca de pano e um tatu canastra.

            Narizinho agarrou-a e enfiou-a no bolso, dizendo:

            — É demais. Parece que os ares deste campo lhe desarranjaram a cabeça duma vez.

 

6 – A formiga coroca

            A cigarra estava cantando num galho seco, perto dum formigueiro. Ao aproximar-se da árvore o senhor de La Fontaine parou.

            — Gosto do canto das cigarras — disse ele. — Dá-me idéia de bom tempo, sol quente, verão. Este inseto é um pouco boêmio como em geral todos os cantores.

            — Há muitas cigarras e enormes no sítio de vovó – disse Pedrinho. — Às vezes cantam até rebentar.

            — Morrem cantando, como os cisnes — confirmou o sábio. – Já escrevi uma fábula sobre a cigarra e a formiga, que é outro inseto muito curioso, símbolo do trabalho incessante. Aqui temos um formigueiro onde vocês podem observá-las.

            Todos se abaixaram em redor do formigueiro.

            — Não param nunca, sempre ocupadas nos trabalhos caseiros — prosseguiu.  — Cortam folhas, picam-nas em pedacinhos e guardam nas em perfeitos celeiros para que fermentem. Nessas folhas um cogumelozinho se desenvolve, com o qual se alimentam. São insetos de alta inteligência. A muitos respeitos a formiga está mais adiantada que nós, homens. Há mais ordem e governo na sociedade delas. São mais felizes.

            — Felizes? — exclamou Emília com carinha incrédula. — Bem se vê que o senhor nunca sentiu o horrível cheiro de bebida que dona Benta costuma dar a elas lá no sítio, um tal formicida…

            O fabulista riu-se com vontade e, voltando-se para Narizinho, disse que a boneca tinha uma “estranha e viva personalidade”. A menina não entendeu muito bem, mas começou dali por diante a olhar para Emília com mais respeito. Se a boneca tinha uma “estranha personalidade”, então tinha alguma coisa, não sendo simplesmente a boba, como lhe costumava chamar.

            Nisto a fábula da cigarra e da formiga principiou de novo.— Psiu. — fez o fabulista. — Silêncio, agora. Vamos ver se é mesmo como eu escrevi.

            Todos se calaram, imóveis em roda do formigueiro. A célebre cigarra tuberculosa, que tossia, tossia, tossia, vinha chegando, embrulhada no seu xalinho esfarrapado. Vinha de rastos, como quem está nas últimas, a morrer de fome e frio.

            Parando à porta do formigueiro, bateu toc, toc, toc.

            — Como ela bate direitinho! — murmurou Emília. — Bate tal qual uma gente.

            A cigarra bateu e ficou esperando, toda encolhida. Instantes depois apareceu uma formiga coroca, sem dentes, com ares de ter mais de mil anos. Era a porteira da casa e rabugenta como ela só.

            Abriu a porta e disse, na sua voz rouca dos séculos:

            — Que é que a senhora deseja?

            Vendo tanta cara feia, a pobre cigarra quase desmaiou de medo, e foi tomada de outro acesso de tosse. Nem podia falar. Em vez de sentir piedade, a formiga fechou ainda mais a carranca e disse:

            — Errou de porta, minha cara. Isto aqui não é asilo de inválidos. Se está doente, vá para a casa do seu sogro.

            — Perdão — disse a triste mendiga. — É que não tenho casa, nem sogro, e estou morrendo de fome e frio. Se a senhora não me dá uma folhinha para comer e um cantinho para me abrigar, certo que morrerei à míngua.

            — É o melhor que tem a fazer — respondeu a formiga. — Que fazia no bom tempo?

            — Eu? Eu cantava, senhora formiga. Sou cantadeira de nascença.

            — Hum, já sei! Era a senhora quem cantava em cima dessa árvore o dia inteiro. Bem me lembro disso.

            A cigarra sorriu, certa de que a lembrança das suas passadas cantorias tinha amolecido o coração da formiga. Ah, ela não imaginava o que era o coração duma formiga coroca de mais de mil anos!

            — Bem me lembro — continuou a formiga. — Cantava de nos pôr doidas aqui dentro. Muita dor de cabeça tive por causa da sua cantoria, sabe? Agora está tísica e não canta mais, não é isso? Pois dance! Cantou enquanto era moça e sadia? Pois dance agora que está velha e doente, sua vagabunda!

            E — plaf! deu-lhe com a porta no nariz. A triste cigarra, com o nariz esborrachado, ia pendendo para trás para morrer, quando Emília a susteve.

            — Não morra, boba! Não dê esse gosto para aquela malvada. Está com fome? Vou já trazer um montinho de folhas. Está com frio? Vou já acender uma fogueirinha. Em vez de morrer, feito uma idiota, ajude-me a preparar uma boa forra contra a formiga.

            A cigarra comeu as folhinhas que a boneca lhe trouxe, aqueceu o corpo na fogueirinha que a boneca lhe acendeu. Sarou da tísica imediatamente e quis começar a cantar.

            — Não ainda — disse Emília. — Primeiro temos de ajustar contas com a formiga. Depois você canta até rebentar.

            O senhor de La Fontaine, curioso de ver qual seria a vingança da boneca, pôs-se de lado, a observar disfarçadamente. Vendo isso, Narizinho não teve coragem de ralhar com Emília e deixou-a em paz. Emília mandou que a cigarra batesse na porta outra vez. A cigarra obedeceu, batendo três toc-tocs.

            Veio a formiga espiar quem era. Dando com a mesma cigarra, disse-lhe um grande desaforo e já lhe ia batendo com a porta no nariz outra vez, quando Emília a agarrou pela perna seca e a puxou para fora.

            — Chegou tua vez, malvada! Há mil anos que a senhora me anda a dar com essa porcaria de porta no focinho das cigarras, mas chegou o dia da vingança. Quem vai levar porta no nariz és tu, sua cara de coruja seca!

            E, voltando-se para a cigarra:

            — Amor com amor se paga. Eu seguro a bruxa e você malha com a porta no nariz dela. Vamos!

            A cigarra cumpriu a ordem, e tantas portadas arrumou no nariz da formiga, que a pobre acabou pedindo socorro ao senhor de La Fontaine, seu conhecido de longo tempo.

            O fabulista interveio.

            — Basta, bonequinha! — disse ele. — A formiga já sofreu a sova merecida. Pare, se não ela morre e estraga-me a fábula.

            Emília soltou a formiga surrada, que lá se foi para o fundo do formigueiro com o nariz deste tamanho e mais tonta do que se tivesse bebido um cálice de formicida.

 

7 – Esopo

            Durante todo aquele tempo o menino invisível estivera afastado do grupo, vendo uns macacos que haviam aparecido na orla da floresta. Ao voltar anunciou sua chegada, já de longe, com o costumado cócóricócó. O senhor de La Fontaine, que ignorava aquela mania do Peninha, iludiu-se, julgando tratar-se dum galo de verdade.

            — Lá está um galo cantando — disse ele ingenuamente. – Gosto dessa ave, que simboliza a bravura e a vitória.

            Todos sentiram vontade de rir ao perceberem o engano dum homem tão sábio. Mas contiveram-se, lembrando o respeito que dona Benta lhes ensinara para com os mais idosos. Todos, menos Emília. A burrinha espremeu uma das suas risadas caçoístas e disse, antes que a menina pudesse atrapalhar:

            — O senhor está fazendo papel de bobo, senhor de La Fontaine! Aquilo nunca foi canto de galo, nem aqui nem na casa de sua sogra. É o Peninha que vem vindo.

            Narizinho, envergonhada, tapou-lhe a boca com a mão e ralhou; — Como chama bobo a um homem tão importante, Emília? Vovó, quando souber, vai ficar danada!…

            Nisto a pena de papagaio apareceu flutuando no ar, vinda da floresta, em companhia dum homem esquisito. Todos se voltaram para ver.

            — Quem será o bicho careta? Com certeza algum homem que estava tomando banho e perdeu as roupas — berrou Emília. – Vem embrulhado na toalha.

            O senhor de La Fontaine explicou quem era.

            — Estás enganada, bonequinha. Aquele homem é um famoso fabulista grego. Não vem embrulhado em nenhuma toalha, mas sim vestido à moda dos antigos gregos. Chama-se Esopo. Foi o primeiro que teve a idéia de escrever fábulas.

            Esopo chegou e saudou cortesmente o fabulista francês. Depois fez festas às crianças. Vendo Emília, admirou-se.

            — Oh, uma bonequinha também! Era o único ente que faltava nestas terras. É falante?

            — É sim. Emília fala pelos cotovelos — respondeu Narizinho.

            A admiração de Esopo foi grande, porque apesar de velho nunca tinha sabido de nenhuma boneca que falasse.

            — É extraordinário !— disse ele. — Bonecas vi muitas em Atenas, mas mudas. O mundo tem progredido, não resta dúvida. Como te chamas, bonequinha?

            — Emília de Rabicó, sua criada.

            — Lindo nome. E quem te ensinou a falar?

            — Ninguém — respondeu Emília com todo o espevitamento. — Nasci sabendo. Quando o doutor Caramujo me deu uma pílula tirada da barriga dum sapo, comecei a falar imediatamente.

            — Emília fala muito bem — explicou Narizinho. — Pena é que diga tanta tolice. O grego sorriu com malícia.

            — Nós, sábios, também não fazemos outra coisa — disse ele. — Mas como dizemos nossas tolices com arte, o mundo se ilude e as julga alta sabedoria. Vamos, bonequinha, diga uma tolice para o velho Esopo ver.

            Emília desapontou e, torcendo a ponta do seu lencinho de chita, respondeu com muito propósito:

            — Assim de encomenda, não sei…

            Os dois fabulistas trocaram um olhar de inteligência, como quem diz: “Vê?”

            Em seguida ferraram uma discussão a respeito da origem das fábulas — e, afastando-se dali, foram sentar-se numa pedra à beira do ribeirão.

            Vendo-se sós, os meninos começaram a planejar grandes aventuras.

            — Eu quero ver um leão! Quero conhecer o leão da fábula! — disse Pedrinho.

            — Eu quero ver aqueles dois pombinhos do apólogo tão bonito que vovó contou — disse a menina.

            — E eu quero pegar um tatu-canastra — disse Emília.

            Era a terceira vez que Emília falava em tatu-canastra. Narizinho ficou intrigada.

            — Que tatu-canastra é esse em que você tanto fala, Emília?

            A boneca respondeu sem demora.

            — É que a canastrinha que trago sempre comigo me dá muita canseira. Tenho de carregá-la no lombo do Visconde o tempo todo. Ora, se pego um tatu-canastra, fico dona duma canastra que anda por si mesma nos seus quatro pés. Não acham que é boa idéia?

            — É a maior idéia que a senhora teve até hoje, marquesa! — exclamou o

Visconde.

            O pobre sábio andava que mal podia consigo, de tanto carregar às costas a tal canastrinha. Por isso não falou nem se meteu em coisa nenhuma durante todo o passeio. Não pôde nem sequer debater ciência com os dois fabulistas, seus colegas em sabedoria. Se de fato houvesse um tatu-canastra, que bom!

            Peninha contou que na floresta havia muito mais bichos do que ali — leões, tigres, macacos, ursos — todos os animais importantes. Em vista disso, para lá se encaminhou o bando, guiado pela pena de papagaio flutuante. Assim que entraram na floresta viram no topo de uma árvore seca um corvo de queijo no bico. Pedrinho, muito sabido em fábulas, disse logo:

            — Aposto que embaixo da árvore está uma raposa. Ela vai gabar a voz do corvo, dizendo que nenhum sabiá canta mais bonito que ele. O vaidoso acredita, fica todo ganjento, abre o bico para cantar e o queijo cai e a raposa pega o queijo e foge com ele, na risada. Já sei tudo. Não vale a pena pararmos para ver isso.

            — Vale, sim! — contrariou Emília. — Podemos enganar a raposa e comer o queijo.

            Narizinho fez cara de nojo.

            — Que coragem, Emília! Comer um queijo que já andou em bico de corvo…

            — Comer de mentira, boba. Só para ver o desapontamento da raposa.

            Mas não pararam. Pedrinho achava que corvo e raposa eram bichos sem importância, dos que não valem a pena. Queria feras de verdade.

            — Onde mora o leão, Peninha? — perguntou ele.

            — Na montanha. Vai-se pelo caminho da casa da Menina do Leite.

            — Bravos! — exclamou Narizinho. — Vovó nos contou a história dessa coitadinha que foi ao mercado vender o primeiro leite da sua vaca mocha, fazendo castelos do que havia de comprar com o dinheiro. De repente tropeçou, o pote veio ao chão e a coitada viu irem-se água abaixo, com o leite, todos os seus lindos sonhos. Desejo muito conhecê-la pessoalmente.

            A floresta formava ali uma clareira, de modo que puderam avistar ao longe a fumacinha, depois a chaminé, depois o telhado e por fim a casa inteira de Laura, a Menina do Leite.

            — Lá vem ela! — gritou Emília.

            De fato, num vestido de pintas vermelhas, Laura vinha vindo na direção deles, com o pote de leite à cabeça.

            — Bom dia, Laura! — disse Narizinho ao defrontar a raparigota. — Aonde vai tão requebrada e faceira?

            — Ao mercado da vila próxima, vender este leite da minha vaca mocha. Vendo o leite e compro duas dúzias de ovos. Pretendo chocar os ovos e tirar duas dúzias de pintos. Cresço a pintalhada e obtenho doze galos e doze galinhas. Vendo os galos e conservo as galinhas para botarem ovos. A duzentos ovos cada uma por ano, terei, deixe ver… — e começou a fazer a conta de cabeça.

            — Não estrague a sua cabecinha, dona Laura — disse Emília.

            — Temos aqui o Visconde que é um danado para contas. Visconde, arrie a canastra e faça a conta desta menina.

            O embolorado sábio obedeceu. Arriou a canastrinha, enxugou o suor da testa e fez a conta na areia, com um pauzinho.

            — Dois mil e quatrocentos ovos — declarou ele por fim.

            — É isso mesmo — disse a Menina do Leite, que já tinha feito a conta de cabeça. — Dois mil e quatrocentos ovos! Ponho tudo a chocar e consigo outras tantas aves. Vendo-as no mercado e compro dez porcos. Faço uma criação de porcos. Vendo os porcos e compro cinqüenta vacas.

            A boneca, que conhecia a fábula, estava de olho no pote para vê-lo cair. Era naquele ponto que o leite se derramava. Mas o pote não caiu e Laura continuou:

            — Faço uma grande criação de vacas. Depois vendo as vacas e compro uma casa e um automóvel. Fico morando na casa e vou passear na vila de automóvel. Lá encontro um lindo moço que se apaixona por mim. Caso-me com ele e vou morar na cidade.

            Emília estava na maior aflição. A Menina do Leite já passara todos os pontos em que o pote cai. Já estava casada e morando na cidade. Continuando assim, a fábula ia ficar completamente sem jeito. A boneca não pôde conter-se por mais tempo.

            — Pare, senhorita, e derrube o pote de leite, se não a fábula fica sem pé nem cabeça!

            Laura deu uma gargalhada.

            — Já se foi esse tempo, bonequinha! Isso me aconteceu uma vez, mas não acontece outra. Arranjei esta lata de metal, que fecha hermeticamente, para substituir o pote quebrado. Agora posso sonhar quantos castelos quiser, sem receio de que o leite se derrame e meus sonhos acabem em desilusões. Adeus, meninada, adeus!

            Foi um desapontamento geral.

            — Não valeu a pena pararmos para ver só isto – disse Pedrinho. — Vamos depressa à montanha. Talvez lá as fábulas sejam sempre as mesmas. Quero ver o leão.

            Nisto avistaram a montanha onde estava a caverna do rei dos animais. Dali por diante tinham de ir com todas as cautelas, na ponta dos pés, para não despertar a atenção dalguma fera. Chegaram ao terreiro que havia em frente da caverna. Ossos de animais devorados e um cheiro de carniça mostravam que não houvera engano, era ali mesmo a caverna procurada.

            — Sei duma fresta na rocha — disse Peninha – donde podemos ver o leão sem que ele nos veja. Sigam-me, sem fazer o menor barulhinho.

            Todos o seguiram, pé ante pé, como gatos. Subiram pela rocha e por fim alcançaram a tal fresta, que ficava bem no topo da caverna, em ponto que os bichos não podiam alcançar nem que pulassem. Dali os meninos veriam tudo sem o menor perigo.

            Cada qual se ajeitou como melhor pôde, com um olho na fresta.

            — Lá está ele! — disse Pedrinho, que foi o primeiro a ver. — Lá está o Leão da Fábula no seu trono de ossos, rodeado de toda a corte.

 

8 – Os animais e a peste

            O leão havia reunido toda a bicharia a fim de resolver sobre a terrível peste que estava arrasando o reino. Antes de decidirem qualquer coisa, os reis costumam consultar os sábios, os astrólogos, os bobos da corte e outras notabilidades do reino.

            Assim também fazia o Leão da Fábula. O primeiro consultado foi um macaco de barbas brancas, sabido como ele só.

            — Qual a sua opinião, senhor mono, sobre a peste que nos desgraça?

            O macaco alisou a barbaça, tossiu três vezes e disse:

            — Saiba Vossa Majestade que esta peste é um castigo do céu. Ofendemos as majestades celestes, foi isso. Agora, o remédio é aplacarmos a cólera dos deuses com o sacrifício de um de nós.

            — Muito bem — disse o leão. — Mas sacrifício do qual?

            — Do mais carregado de crimes — respondeu o macaco.

            O leão fechou os olhos e pôs-se a meditar. Recordou sua vida passada, suas injustiças, a crueldade com que matara tantas zebras, gazelas, veados, carneiros e até homens. E resolveu fazer um bonito: oferecer-se para o sacrifício como o mais carregado de crimes. Nenhum animal teria a coragem de concordar com ele, de modo que ele fazia o bonito sem correr o menor perigo. Assim procedem os reis que desejam ficar famosos na história.

            — Amigos — disse o leão com cara contrita. — Nenhuma dúvida me resta: quem deve ser sacrificado sou eu. Ninguém cometeu mais crimes do que o vosso rei, ninguém matou maior número de veados, carneiros, zebras e homens do que eu. Devo ser o escolhido para o sacrifício. Que acham?

            Disse e correu os olhos pela corte, com ar de quem está pensando lá por dentro: “Quero só ver quem tem o topete de achar que sim”. Todos estavam convencidos de que de fato era o leão o maior criminoso da floresta, mas nenhum tinha a coragem de o dizer em voz alta. A raposa, então, adiantou-se e fez um discursinho.

            — Bobagens, Majestade! — disse ela. — Se há no mundo um ente limpo de crimes, certo que é o nosso bondoso rei leão. Matou veados e carneiros e zebras e homens? Oh, isso em vez de crime constitui ato de nobre piedade. Para que servem tais bichos? Que é um veado, uma zebra ou um carneiro ou um homem, na ordem das coisas? Perfeitas imundícies, de modo que o que Vossa Majestade fez foi apenas uma obra de limpeza. Ninguém tome minhas palavras como lisonja, tenho horror a isso, mas Vossa Majestade, na minha opinião, em vez de ser um criminoso é um santo!

            Uma chuva de palmas cobriu o discurso da raposa. O leão lambeu a bigodeira, de gosto, e agradeceu à raposa com um gesto cordial. Em seguida levantou-se o tigre e disse o mesmo que havia dito o leão. Acusou-se de grandes crimes e declarou que o merecedor do castigo só podia ser ele, não outro. A raposa fez novo discurso, ainda mais bonito que o primeiro, provando que o santo número dois da floresta era justamente o tigre. A cena repetiu-se com todos os animais de músculos fortes e dentuça afiada. Todos viraram santos.

            Por fim chegou a vez do burro.

            — Pondo a mão na consciência, não me sinto culpado de coisa nenhuma — declarou a burrísima criatura. Só como capim e outras ervas. Nunca matei um mosquito. Se mutuca me morde, o mais que faço é espantá-la com o espanador da cauda. Nunca furtei. Nunca tomei a mulher do próximo. Nem coices dou, porque sofro duma inchação nos pés, muito dolorosa. A consciência de nada me acusa.

            Assim que o burro concluiu, todos os animais entreolharam-se. Era muito grave aquela sua confissão! A raposa adiantou-se e falou, como intérprete do pensamento geral.

            — Eis o grande criminoso, Majestade! — disse ela apontando para o pobre burro. — É por causa dele que o céu nos mandou esta epidemia. Ele tem que ser sacrificado. Não dá coices, confessou, “porque tem os pés inchados”. Quer dizer que se não tivesse os pés inchados andaria pelo mundo a distribuir coices como quem distribui cocadas. Morra o miserável burro coiceiro!

            — Morra! Morra! — gritaram mil vozes. Vendo aquilo, o rei leão também indignou-se.

            — Miserável burro de carroça! — berrou. — É por tua causa, então, que o meu reino está levando a breca? Pois te condeno a ser imediatamente estraçalhado pelo carrasco da corte. Vamos, tigre, cumpre a sentença do teu rei!… Os olhos do tigre-carrasco brilharam. Estraçalhar animais era o seu grande prazer. Lambeu os beiços e armou o bote para lançar-se contra o trêmulo burro. Mas ficou no bote. Uma enorme pedra lhe caiu do teto da caverna bem no alto da cabeça — plaf! Grande berreiro!

            Correria! Desmaios das damas. Quem é? Quem foi? Fora obra do Peninha.

            — Bravos! — exclamaram os meninos. — Isso é que se chama boa pontaria.

            — Fujamos enquanto é tempo — gritou Peninha. — O leão já nos farejou aqui e está lambendo os beiços.

            Não foi preciso mais. Os meninos botaram-se pela montanha abaixo.

 

9 – Prisioneiros

             Na corrida Peninha cruzou com o burro, que também ia fugindo, e pulou-lhe no lombo. Isso fez que os outros ficassem para trás e se perdessem no mato. Sem o Peninha para guiá-los, andaram, andaram às tontas e por fim entraram sem o saber no país dos macacos. Assim que transpuseram as fronteiras desse reino, vários guardas lhes caíram em cima e os enlearam com cipós. Em seguida os levaram à presença de Sua Majestade Simão XIV, que os cortesãos chamavam o Rei Sol, porque quando Simão aparecia todas as caras se iluminavam de sorrisos.

            — Majestade — disse um dos guardas — aqui trazemos à Vossa Sublime Presença estes quatro viajantes que estavam atravessando as fronteiras sem passaporte.

            — É mentira, senhor rei! — berrou Emília. — Eu tenho passaporte, sim. Olhe aqui — e abrindo a canastrinha, sempre nas costas do Visconde, tirou de dentro o célebre alfinete de pombinha. — Este é o meu passaporte.

            O Rei-Sol examinou com a maior atenção aquele objeto para ele desconhecido, pois nunca vira nem alfinete simples, quanto mais de pombinha.

            Depois disse:

            — O passaporte adotado no meu reino é uma banana-ouro, mas como sei que outros povos usam outros passaportes, aceito como válido este que esta senhora apresenta. Podem soltá-la.

            Os guardas começaram a desamarrar Emília. Enquanto isso Pedrinho achou jeito de lhe dizer na linguagem do P, que os macacos não entendem:

            — Apavipisepe Pepenipinhapa quepe espestapamospos naspas upunhaspas despestapa hoporrenpendapa mapacapacapadapa. (Avise Peninha que estamos nas unhas desta horrenda macacada.)

            — Simpim — respondeu Emília disfarçadamente, e mal se pilhou livre raspou-se, muito tesinha, sem olhar para trás.

            Em seguida Narizinho foi trazida à presença do real come bananas.

            — Senhorita — disse ele — embora seja um crime entrar no meu reino sem licença, ouvirei de bom grado as suas explicações. Sou um rei magnânimo, mais amigo de premiar do que de castigar. Diga-me, quais são as suas impressões sobre a minha corte?

            A menina correu os olhos em redor e só viu macacos e macacas, cada qual mais peludo e feio. Mas era esperta. Compreendeu que se dissesse a verdade teria de pagar caro. O melhor seria fingir-se encantada e só dizer coisas agradáveis aos ouvidos daquela horrenda bicharia. E respondeu:

            — Estou maravilhada, Majestade, com a magnificência desta corte! Conheço muitas, tenho visitado muitos reis, como o Rei de Ouros, o Rei de Copas, o Rei de Espadas e outros. Mas nunca vi soberano mais bonito e nobre do que Vossa Majestade! Nem nunca vi damas da corte mais formosas que as presentes! Tão entusiasmada estou com o vosso reino, que nele ficaria morando a vida inteira, se Vossa Majestade o permitisse e vovó concordasse.

            Simão XIV lambeu-se de gosto. Apesar de acostumado a só ouvir elogios, nunca tinha saboreado gabos como aqueles. Achou-os ainda mais gostosos do que a melhor banana-ouro.— Soltem-na incontinenti — ordenou ele — e dêem a essa encantadora visitante a árvore mais alta para morar e o mais gentil macaco para esposo! Ficará residindo aqui, como é seu ardente desejo. Mandarei emissários contar o caso a sua vovó, que certamente vai ficar radiante quando souber da honra insigne que o Rei Sol acaba de conceder à sua neta.

            Narizinho, que não esperava tanto fez uma careta. Mas conteve-se, resignada, na esperança de que Peninha viesse salvá-la. Foi conduzida dali para o alto da sua árvore, enquanto os guardas traziam à presença do rei o Visconde, sempre de canastrinha às costas.

            — E você, senhor viajante de cartola e canastra, qual a sua opinião?

            O pobre sábio arriou a canastra, sentou-se em cima e enxugou o suor da testa com as costas da mão.

            — O que acho? — disse ele depois de tomar fôlego. — Acho que esta canastrinha é muito pesada para um velho doente como eu.

            — Não me refiro a nenhuma canastra, seu palerma! Que acha do meu reino? — berrou Simão carregando sobrolhos.

            Sempre atrapalhado e esmagado sob o peso da carga, o Visconde não havia podido prestar atenção a coisa nenhuma e portanto não podia achar coisa nenhuma.

            — Vossa Majestade me perdoe — disse ele — mas ainda não vi nada, de tão cansado que estou. Deixe-me primeiro tomar fôlego e dormir um sono. Amanhã darei minha opinião mais sossegado.

            O rei não gostou nada de semelhante resposta, mas deixou-a passar. Mandou que dormissem o Visconde e trouxessem o último prisioneiro.

            Os guardas trouxeram Pedrinho. O menino estava furioso com o que havia acontecido. Se tivesse ali o bodoque, era a bodocadas que responderia às perguntas do macacão. Mas não tinha. Estava de mãos amarradas. Mesmo assim resolveu dizer o que realmente pensava, porque Pedrinho sempre fora um menino de caráter forte, dos que não mentem em caso nenhum. Assim que o rei lhe repetiu aquela pergunta, o menos que pôde dizer foi o seguinte:

            — O que acho deste reino ? Não acho coisa nenhuma. Não é reino nenhum.  Não vejo rei nenhum. Vejo um macacão, como todos os outros, trepado num galho que ele supõe ser trono. As damas da corte? Macacas. Simples macacas, como todas as macacas do mundo. Tudo macaco! Isto não passa dum grande macacal como os que há em todas as florestas…

            — Fora da minha presença, miserável caluniador! – berrou Simão XIV no auge da cólera. — Levem-no, guardas! Amarrem-no a um tronco para ser devorado pelas formigas antropófagas.

            O pobre Pedrinho viu-se arrastado dali como se fosse um cacho de bananas.

 

10 – Peninha não falha

             Narizinho fora levada para o alto da árvore onde tinha de morar toda a vida com o seu esposo macaco. Pedrinho fora amarrado ao tronco onde ia ser comido pelas formigas. O Visconde fora dormido num galho de pau..

            Era o único feliz. Teve lindos sonhos. Sonhou com um país sossegado, onde não havia nem Emílias nem canastras.

            Veio a noite. A macacada começou a cair num tal sono que dentro em pouco só se ouviam roncos naquele trecho da floresta. Da árvore onde estava, Narizinho pôde ver Pedrinho amarrado ao tronco.

            — Tepenhapa papacipienpenciapia quepe Pepenipinhapa nãopão tarpardapa — gritou-lhe ela.

            Nem bem acabara e já ouviu um galo cantar longe — Cócóricócó!

            — Épé epelepe — gritou de novo a menina, batendo palmas.

            E era mesmo. A pena de papagaio vinha flutuando em cima do burro em disparada. Peninha saltou em terra e correu a descer Narizinho da árvore. Os macacos, que lá estavam de sentinelas, não perceberam nada, tamanho era o sono.

            — Estou estranhando o sono desta bicharia — disse a menina. — Por mais barulho que se faça, nenhum acorda.

            — Pudera! — exclamou Peninha. — Pus tal dose duma planta dormideira no poço onde eles bebem, que só amanhã lá pelo meio-dia poderão despertar. Que é de Pedrinho?

            — Ali naquele tronco!

            Peninha correu a desamarrá-lo. Depois foi acordar o Visconde, que danou de ter de cortar a gostosa soneca para novamente pôr às costas a canastrinha.

            — Agora é montar no burro e tocar no galope!

            — Não ainda! — disse Pedrinho. — Tenho contas a ajustar com o macacão rei.

            Foi em procura de Simão XIV, que encontrou a roncar no meio de toda a corte, igualmente adormecida.

            “Que fazer para vingar-me? Ah, já sei!”

            Tomou uma tesoura que andava por ali e cortou-lhe as barbas, a ponta da cauda e meia orelha, dizendo:

            — Quando a macacada despertar amanhã, nenhum poderá reconhecer o grande rei Simão Banana, e todos correrão daqui, a pau, este mono duma figa!…

            Em seguida reuniu-se aos outros e pronto!

            — Vamos! — gritou Peninha para o burro.

            O animal saiu no galope e em menos de meia hora os levou para onde estavam os fabulistas. De longe já os meninos os viram, sentados na mesma pedra, ferrados na mesma discussão.

            — Vivam! — exclamou o senhor de La Fontaine. — Por onde andaram os meus meninos?

            Cansada das aventuras do dia e ansiosa por voltar para casa, Narizinho desfiou atropeladamente, sem apear-se do burro, as principais peripécias do passeio.

            — Quando estivermos juntos outra vez, contarei tudo mais direitinho. Agora não posso. Adeus, senhor de La Fontaine! Adeus, senhor Esopo! Até um dia!

            — Para onde vão com tanta pressa?

            — Jantar! — gritou Pedrinho.

            — Senhor de La Fontaine — disse Emília — fique sabendo que gostamos muito da sua pessoa. Apareça lá no sítio para tomar um cafezinho coado na hora. O senhor também, seu Esopo. Mas vá de paletó e calça, se não tia Nastácia se assusta. Não façam cerimônias. Dona Benta não se importa. Ela é muito boa…

            Os fabulistas prometeram aparecer.

            — Au revoir! — gritou de longe a menina.

            — Au revoir! — repetiu o senhor de La Fontaine com um aceno de mão — e ficou por um tempo a segui-los com os olhos.

            Quando o burro desapareceu numa nuvem de pó, lá bem ao longe, o fabulista suspirou:

            — Felicidade, teu nome é juventude!… Em seguida voltou a sentar-se na pedra, à beira do ribeirão, e retomou a conversa com Esopo no ponto em que os meninos a haviam interrompido.

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