Rubaiat, de Omar Khayyam, de 91 a 105
traduzido por Matos Pereira. Editora Jangada, Rio de Janeiro, 1944.
XCI
Prefiro o vinho a todas as riquezas,
à própria glória, ao mando, à ostentação.
Prefiro o amante que soluça e geme,
ao fariseu prostrado em oração.
XCII
Ninguém pode evocar seu nascimento
Nem predizer sua última morada.
Vem, pois, querida, e com amor e vinho
esqueçamos que não sabemos nada.
XCIII
Na verdade, os meus ídolos diretos
reduziram meu ser a mil farrapos;
afogaram-me a honra numa taça,
e venderam meus brios como trapos.
XCIV
De fato, eu, penitência muita vez
jurei, estava eu sóbrio, então?
E veio a primavera engrinaldada
e esfolhou o remorso pelo chão…
XCV
Sê complacente para com os ébrios,
visto que tu podes cair um dia:
e, se quiseres paz, serenidade,
a dor dos infelizes alivia!
XCVI
Rápida caravana, a vida passa;
para o corcel, busca a felicidade;
abandona a tristeza e dá-me vinho.
Não vês? Aí vem a noite da saudade.
XCVII
Vós que me dais o vinho na velhice,
quando eu, um dia, já tiver morrido,
amortalhai-me em folhas de parreira
e sepultai-me num jardim florido.
XCVIII
Enquanto a rosa encanta este regato
vem ter comigo e vê como ele é lindo!
E quando o anjo te der a Última Taça,
ergue-a cantando e esgota-a sorrindo.
XCIX
Se o nosso vinho e os lábios que beijamos
findam no pó, quedemo-nos serenos.
Reconhecendo que, se somos nadas,
nada havemos de ser. Nem mais, nem menos.
C
No chão, desfeito em pó, uma cilada
de perfume, hei de armar na natureza.
De forma tal, que alguém, ali passando,
sinta cheiro de vinho, com surpresa.
CI
Triste que a primavera leve a rosa!
Que a juventude o livro de ouro acabe!
O rouxinol que ontem cantou no ramo –
Ah!, de onde veio? Pra onde foi? Quem sabe?
CII
Ah!, como é vil o peito que não sente,
e o coração que não conhece o amor!
Se não amas – o céu não tem beleza…
Se não amas – o sol não tem calor…
CIII
Aurora – as esperanças brilham todas,
e, então, todas as lâmpadas se apagam.
Noite – brilham as lâmpadas acesas,
e as esperanças, uma a uma, esmagam.
CIV
Admitamos que, enfim, tu descobriste
os princípios que regem vida e morte;
que tiveste cem anos de ventura
e tens ainda cem… Qual tua sorte?
CV
Seguem o Idiota e o Sábio a mesma rota
e este, que colhe o fruto da razão,
sabe que Amanhã e Ontem são iguais
ao dia número Um da criação.