apolo e jacinto, 14

apolo e jacinto, 14.

alio quis pegar o cobertor mas envergonhou-se e parou o gesto. baixou os olhos como um cordeiro e ficou à espera de alguma ordem. nu, arrepiado. teófilo levantou-se, enrolado, encheu o outro copo. tome. beba um pouco. cubra-se que está ficando frio, não está com frio? abaixou-se e pegou o cobertor no chão, cobrindo alio. Ele está com medo, tem todo o ventre cabeludo, não é pequeno, não é como luis. Não queria falar como falo, essa voz baixa, íntima, ele vai desconfiar. Aliás, que diferença faz?, ele já devia saber sobre o que vamos fazer daqui a pouco… vamos… vamos… Não, não, não gosto desta palavra. Estas palavras são estranhas, a gente fica querendo controlá-las e, quando vê, elas sobem e a gente já pensou. Se eu fosse um pastor e abria a porteira e ia deixando sair os carneiros um a um todos branquinhos mas ia ter algum preto e ia trancá-lo e não deixar que saísse e ele é um palavrão desagradável e por isso não vou deixar o carneiro preto sair não vou deixar o carneiro preto sair e digamos que o carneiro preto é a palavra foda e ele querendo sair e eu controlando e ficava deixando passar as ovelhinhas brancas e poderia dizer por exemplo alio e eu vamos tirar a roupa e dormir juntos mas isto não diz nada então eu e alio vamos nos amar mas isto não é verdade porque eu não o amo e com ele só quero gozar e se eu quisesse ele deixava eu fazer o que quisesse porque é um criado mas não quero que seja criado e penso que se ele enfiar o joelho dentro das minhas pernas eu abro e deixo ele… mas é muito grande… e vamos foder até amanhã pronto o carneiro preto passou!
teófilo estava junto à janela, olhando pelas frestas. voltou-se. o criado continuava deitado, muito quieto, mas o copo estava vazio. ao aproximar-se, deixou à mostra metade do corpo. esses cobertores são uma merda. tome mais vinho. já vou pro quarto ou quinto copo, nem sei mais. encheu os dois. tome! sentou-se nos pés da cama de alio. sabe, alio, sei que é difícil a gente de repente conversar… vocês estão sempre obedecendo, de repente… se abrir… é difícil, não é? beba que fica mais fácil. já ficou bêbado alguma vez?
não.
mas já bebeu muito vinho?
já.
tudo está ficando muito colorido. parando o olhar em direção ao garrafão. encha meu copo. acho que não consigo mais me levantar.
o senhor está em cima do meu cobertor.
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apolo e jacinto, 13

apolo e jacinto, 13.

uma hora depois, chegou o criado. parecia que o esperavam.
Que estranho, levar-me lá pra cima. a mulher o puxava.
ele está lá em cima. pediu que subisse assim que chegasse. os criados cuidarão dos cavalos e da carga.
os criados? e a porta se abriu.
entre e feche a porta. isto. molhou-se muito? teófilo estava deitado, enrolado em cobertores. havia outra cama e uma tina com água quente.
a capa ajudou um pouco mas, depois, começou a pesar. estava mais longe do que eu pensava. posso descer?
não.
o que devo fazer?
você não vai dormir lá embaixo. disse ao taverneiro que viajamos juntos. ainda bem que veio com a capa.
o que devo fazer?
tranca a porta, tira essa roupa, entre na água quente. eles trarão comida aqui. não quero ficar sozinho até chegar a noite. você ficará comigo e jogaremos dados.
alio tirou a capa lentamente, pingava água, estendeu-a num canto, sobre o chão. depois, de costas, com a cabeça baixa, parou por um instante. teófilo levantou-se, enrolado, segurou-o no ombro com uma das mãos.
não quero ficar até a noite sem ter alguma coisa pra fazer. você está gelado, puta que pariu! entre já na água quente.
alio desceu as calças, lentamente. teófilo não queria olhar, virou-se, afastou-se. Ora, é apenas um criado! não olhou, mas sentiu ferroadas de marimbondo no coração e seu sexo estremeceu. deitou-se. ouviu o barulho da água. aconchegou-se no meio dos cobertores. alio tremia. com as conchas das mãos levava água sobre o corpo, teófilo ouvia o barulho e imaginava cada gesto.
não está quente?
está.
Está com vergonha de mim. Tenho de pô-lo à vontade, não devia ter feito isto. Tomara que eu não esteja sendo capturado por uma terceira armadilha…
bateram. alio encolheu-se, escondendo o sexo com as mãos. teófilo levantou-se, ajeitou os cobertores, expondo rapidamente sua nudez camuflada.
suspendeu a tranca. o dono entrou.
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apolo e jacinto, 12

apolo e jacinto, 12.

Não aguento mais, não posso sacrificar furacão. Alio deve estar perdido por aí, daqui a quanto tempo chegará com a comida? Pobre furacão, está cansado! vamos até a beira do rio. Não devo beber agora, estou suado. Não devo beber agora. Não sei o que farei pra passar o tempo, pra esperar que ele chegue. Não queria pensar em nada. Não adianta fechar os olhos, eu só vejo na minha frente aquele rostinho contraído e molhado de lágrimas por que foi que eu não fiquei lá com ele?, mas como?, que desculpa?, aí, sim, hans ia desconfiar. Estava tudo tão bem preparado e eu não esqueci a bolsa com os estiletes e meu menino se feriu com o meu punhal, com o meu punhal!, maldição!, eu dei quando o conheci, aliás eu já o conhecia mas só o notei naquele dia em que hans o pôs a vigiar meu sono, não é notar, é descobrir que ele existe, também não é bem isto, é como se uma pessoa que a gente conhece nascesse de novo, na mesma pele, com o mesmo olhar, o mesmo corpo, a mesma voz, mas não é aquela antiga pessoa, é alguém saído da espuma do mar, como a bela deusa da mitologia. Eu acordei e ele conversou comigo e eu saía dum pesadelo terrível em que só aquele monstro existia dentro ele continua vivo fora e dentro de mim a me atormentar e os outros estão enforcados parecia que ele era meu filho querido que nunca tive parecia que ele era eu há tanto tempo já e descobri de repente que alguma coisa estava acontecendo quando eu descobri já era tarde porque já tinha acontecido, não sei por que eu aceitei as coisas assim, não me entendo, numa hora qualquer eu descobri que não adiantava porque eu já estava apaixonado eu não sei se devo falar apaixonado mas não existe outro termo porque o que sinto é amor exatamente como o amor que senti quando me casei e nem era tão forte assim e nem era tão bonito e agora parece que eu entendo melhor aquelas profundas admirações que eu sentia por alguns amigos não sei se seria de fato a mesma coisa penso até que já me apaixonei por hans quando o conheci mas eu pensava que ele era meu pai mas com luis não foi assim acho que foi aquele ladrão assassino que tocou punheta e eu vi depois o guarda comendo o outro e tiraram a roupa dele e ele tem um pau enorme mas eu prefiro o meu amiguinho porque eu o amo e sei bem que se ele viesse a mim eu ia chorar de arrependimento e não era nisso que eu queria estar pensando porque tenho a alma presa, amarrada, amordaçada, não sei o que faço…
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