caim – drama em dois atos – 2

CAIM 
drama em dois atos

Segundo ato.

CAIM: (entra) Grande é meu delito… Mas assustadora é a sua justiça.
E você, mãe, pobre mãe, sem você o que farei agora?,. Eu te via em tudo que fazia… Lembrava de suas palavras enquanto trabalhava… O que vou fazer?, sozinho. Sou maldito desde a terra que abriu sua boca… Fugitivo e vagabundo eu serei na terra… Pai, onde você está? Que vou fazer agora? Pra onde devo ir?, você, que me expulsou de seu mundo… Não… alguma coisa deve estar errada… Viemos ao mundo na condição de homens e devemos enfrentá-lo como anjos… Somos fracos e temos que lutar contra o mal, mas não sabemos onde está o mal… O desejo é forte, a inveja é forte, a tentação é forte… Tudo é muito forte e temos que resistir… as pedras se colocam no caminho, temos que saltá-las, uma após a outra… somos pequenos mas os obstáculos são muitos. Por que punir a queda do homem? É possível para nós, pequenos e fracos, tentados e sedentos de pecado, humanos e humanos, é possível resistir? Se há quem diga que sim, será que para esse é possível resistir? Quem põe as pedras no caminho? Pra que a gente caia? Em algum lugar estaria escrito que eu cairia?
Na nossa ignorância temos que procurar a justiça, cuja existência desconhecemos. Justiça… justiça… será a maldição de meu pai ou o perdão de minha mãe? Será condenar a demasiada liberdade do homem ou compreender a sua fraqueza?
Pobre irmão, infeliz… e mais infeliz eu, que o matei… Eu, que criei no peito a origem da inveja… de onde ela veio? Onde estava ela, antes de entrar ao meu coração? O pecado dos pais expulsou-os do céu e os colocou no mundo… E eu transformei o mundo em inferno… Gostaria de chorar… Mas… a culpa? Onde está o erro e onde a culpa? Matei e sou culpado. E por que matei? Fervia de inveja… De onde vem o mal? Sei que existe pra que a gente sofra. Permiti que a inveja crescesse e a aceitei em mim… Vivi, vivi e aceitei ser homem, ser filho de Deus! Resignei-me sobre minha natureza… Eis o erro! Meu crime? Aceitei a vida… A vida em mim é o mal e eu vivi, infeliz… Ah, se todos aqueles que sentem em si mesmo a semente do mal… os rostos transtornados pela cólera… nos olhos um brilho feroz… nas bocas a espuma da inveja e do descontentamento… ah, se eles devorassem as próprias carnes, se eles se queimassem no fogo da vingança contra si mesmos… o mal nos castiga… e nós somos o mal… Somos brinquedos nas mãos de alguma coisa…
Pobre irmão, infeliz… e mais infeliz eu… que derramei no coração de meus pais tanta aflição… que destruí o único bem que existia no mundo. Ninguém será mais abominável, ninguém mais impuro… pobre raça de sofredores… caia o céu sobre nós… saiam das órbitas as constelações, aterrorizando a natureza… aproxime-se o sol da terra, para incinerar tanta maldade…
(VOZ DE ADÃO): Quando você trabalhar a terra, ela não mais te dará sua força… 
(VOZ DE EVA): Pare! Este também é seu filho!
CAIM: Os gritos ainda me acompanham… Até quando?
(VOZ DE ADÃO): Onde está seu irmão Abel?
CAIM: O que sei eu? Sou porventura o guarda de meu irmão?
(VOZ DE ABEL): – risada – O cajado afugentou o lobo… Agora o rebanho vai pastar livre…
CAIM: Meu irmão? 
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caim – drama em dois atos – 1

CAIM 
drama em dois atos
 

Nota: Esta peça tem uma história curiosa. Escrevi-a em 1960, eu tinha então 18 anos, e foi meu primeiro trabalho pretensamente literário. Dois ou três anos depois, reescrevi-a, estendendo os diálogos. Encontrei-a por acaso em abril de 2012. Os diálogos soavam ridículos, porque eu usara o “tu” e forçara a ordem das palavras na maioria das frases, tentando criar um ritmo de poesia. Resolvi refazê-la. Lancei mão de um recurso inédito e estranho: traduzi tudo, literalmente, para o Esperanto e, abandonando o texto original, do Esperanto traduzi para o português. Em essência, nada foi alterado, mas cinquenta e dois anos é tempo… acabei introduzindo 12 linhas de diálogo. Acho que o resultado mantém o sabor juvenil.


Personagens: Adão, Eva, Caim, Abel, A Jovem.

 
Primeiro ato.
 
EVA: O grande luminar se escondeu atrás dos montes; um véu escuro cobre a face do crepúsculo. Estou só… sinto frio… olho o céu. O que fazer, uma mulher como eu, frágil, se não olhar a dança louca das nuvens? Os colossos se sacodem ébrios e o vento forte leva até todas as grutas o barulho dos gigantes. O Eterno se agita acima dos céus e está irado com o mundo. Vejo que os fogos de Deus iluminam as montanhas distantes e os confins da terra, espalhando incêndios e terror. Somos pequenos, nós, solitários mortais… Tenho medo da cólera de Deus. O seu fogo é mais forte do que o do grande luminar, e mais terrível… por isso mesmo, é mais belo. Tenho medo…
ADÃO: (entra) Ah! Veja como dançam. Veja a confusão… e tremamos nós dois sob o poder dos fogos dos céus…
Esta noite a lua branca não subirá. Eis o ritual da tempestade. O Deus furioso novamente se volta contra o homem. Logo as águas molharão os vales e os rios transbordarão.
EVA: Eles estão no campo. E os fogos são rápidos, mais rápidos do que os pés alados dos anjos.
ADÃO: Nossos filhos? Nos campos há grutas…
EVA: As grutas acolhem as feras e os répteis selvagens.
ADÃO: Nos seus braços repousam os cajados pesados, que afugentam as feras.
EVA: Como afugentar? Só um deles tem o cajado que conduz as ovelhas ao pasto. E o que pode um cajado nas mãos de um jovem?
ADÃO: O que dirige o golpe não é a vontade do braço mas a força da alma. (Eva estremece). O que foi?
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