Rubaiat, de Omar Khayyam, de 166 a 181 (final)
Rubaiat, de Omar Khayyam, de 166 a 181 (final)
traduzido por Matos Pereira. Editora Jangada, Rio de Janeiro, 1944.
CLXVI
O mundo é vão. Suspende o desespero.
Pois tua sorte, em nada tu melhoras.
e, se o que Deus escreve não se apaga,
deixa tua alma vagar ao léo das horas.
CLXVII
Tira os olhos do céu e te procures
toda bela mulher que te sorriu.
Allah? Muitos lhe ergueram a voz em súplica.
Mas quem pode dizer que ele os ouviu?
CLXVIII
Alegra-te, Khayyam, se te inebrias.
Alegra-te, se vês a tua amada.
E se sonhares que morreste, alegra-te,
pois tu deves saber que a Morte é o Nada.
CLXIX
Não tragas luz. Os meus convivas jazem
extenuados e frios. De igual sorte
dormem todos aqueles que morreram.
Ninguém desperta da mansão da Morte.
CLXX
Ébrio ou sóbrio, é no sono que me encontro
para esquecer que tudo é dissabor.
Às alegrias, dou pequeno espaço,
pois sei que depois delas vem a dor.
CLXXI
É tão difícil incendiar o oceano
como provar que o gozo traz receio.
Contudo é fato que a menor pancada
causa mais dano ao jarro que está cheio.
CLXXII
Olha em torno de ti, dores, soluços,
os teus amigos mortos, e a teu lado
a saudade… Mas ergue a fronte e vive
sepultando o cadáver do Passado.
CLXXIII
Todos os reinos, livros, ciência e os cantos
que Feridon cantou, com fidalguia,
pelo aroma do vinho que murmura
na taça que se beija com alegria.
CLXXIV
Tinha de ser, partiu, deixou-me, enquanto
ela vivia, eu desprezei o amor.
Agora que partiu, ela é mais minha
no meu refúgio de saudade e dor.
CLXXV
Tiraste-me a alegria, e, sem piedade,
entre ela e eu ergueste espessos véus.
Lançaste-te a ao pó, e eu vou morrer, enquanto
tu cambaleias, ébrio, lá nos Céus.
CLXXVI
Se este suco é de Allah, então, quem ousa
blasfemar contra a vinha e contra ti?
Vindo dele, ela é benção. Tu não achas?
Porém, se é maldição, quem a pôs aí?
CLXXVII
Esquece o pago que devias ter
e não tiveste, ó pobre grão de areia.
O que há de ser, já se acha neste livro
que o Vento do Infinito manuseia.
CLXXVIII
Se gravaste no peito do amor,
se a voz de Allah tu ouviste, e percebeste,
ou se, sorrindo, levantaste a taça,
não foi de certo, em vão, que tu vieste.
CLXXIX
Sou velho e o meu amor por ti me mata,
pois bebo, sem cessar, o mel da vinha.
Minha paixão por ti, tirou-me o juízo
e o Tempo esfolha a rosa que foi minha.
CLXXX
Um fio só divide o bom do falso
e um simples “A”, pudesses vê-lo bem,
mostrar-te-ia o caminho do tesouro.
E à presença do Senhor também.
CLXXXI
Cuja existência ignota nas artérias
do Mundo é como o azougue, e mistifica
tomando formas mil, que se transmutam.
E morrem todas, porém ele fica.
Rubaiat, de Omar Khayyam, de 151 a 165
Rubaiat, de Omar Khayyam, de 151 a 165
traduzido por Matos Pereira. Editora Jangada, Rio de Janeiro, 1944.
CLI
Se olhas, debalde, para o chão da Terra
E aos Céus levantas teu olhar a esmo,
hoje que tu és tu, como há de ser
quando amanhã não fores mais tu mesmo?
CLII
Não é curioso, que, nenhum daqueles
que antes de nós passou o negro Umbral,
jamais voltou para falar da estrada,
que, para conhecer, só sorte igual?
CLIII
Depois que nós passarmos esse Véu,
muito depois, haverá ainda o Mundo
que liga, tanto a nossa vinda e ida
quanto dois grãos de areia, o mar profundo.
CLIV
Ergui as mãos e, tateando as trevas,
em vão busquei a lâmpada, não nego.
Então o Tu em Mim, atrás do Véu
disse: – “Procura no Eu em Ti, ó cego!”
CLV
Quer seja em Nayshapur ou Babilônia,
e tua existência, alegre ou aborrecida,
escoa-se o teu sangue, gota e gota,
caem, uma a uma, as pétalas da Vida!
CLVI
Amor, se o Fado, o esquema deste mundo
nos revelassse, como um livro aberto,
iríamos, sem dó, destruí-lo, para
remodelá-lo, de nossa alma perto.
CLVII
Olha, Lua de Amor, que não desmaias,
de novo se ergue a outra, na amplidão:
quantas vezes, depois, não se erguerá
para me ver neste jardim – em vão!
CLVIII
E quando penetrares, descuidosa,
no Jardim da Memória, ao fim do dia,
se, em teu passeio, fores onde eu durmo,
verás, Amor, que a taça está vazia.
CLIX
O vento sul despetalou a rosa
que ontem encantara o terno rouxinol.
Quando as rosas murcharem no teu rosto
outras, decerto, se abrirão ao sol.
CLX
Eu não pedi para viver, no entanto,
tomo da vida o que lhe apraz me dar.
Sem lamento, sem lágrima ou protesto,
eu partirei também, sem me queixar.
CLXI
Allah não quer saber se és bom ou mal.
Na festa, empunha sempre a maior taça,
colhe todos os frutos desta vida
e não te esqueças que o momento passa.
CLXII
Enganar ou mentir, eu não procuro.
Porém o vinho eu sempre procurei
E vivo para o instante que desliza
pois Hoje é meu mas Amanhã não sei.
CLXIII
Nossos amigos, onde estão? Quem sabe?
Acaso a Morte os derrubou na lida?
Ainda lhes ouço os cantos na taverna.
Cantos de morte ou de ebriez da Vida?
CLXIV
Confia nele e tu terás calor.
Te livrarás das neves do passado.
Penetrarás nas brumas do futuro
e serás, finalmente, libertado.
CLXV
Deus tira a força da fraqueza humana
e nós juramos, com o mesmo ardor,
o Verdadeiro e o Falso; porém, eu,
tenho a desculpa da embriaguez do Amor.