Rubaiat, de Omar Khayyam, de 75 A 90

Rubaiat, de Omar Khayyam, de 76 A 90

traduzido por Matos Pereira. Editora Jangada, Rio de Janeiro, 1944. 

 

LXXVI

Uma tarde, ao entrar numa taverna,

vi um sábio sentado num banquinho.

– “Que sabeis sobre os mortos?” perguntei-lhe.

E ele: “Não voltam mais. Bebe teu vinho.”

 

LXXVII

Não te perguntes de onde tu procedes

nem aonde vais com tanta diligência.

mas toma a taça e afoga neste vinho

indagações que são impertinência.

 

LXXVIII

Enche, querida, a taça que desfaz

a dor que existe e o medo antecipado.

Amanhã? Ah!, talvez eu seja eu mesmo

e mais sete mil anos de passado.

 

LXXIX

O vinho será sangue da roseira

e não da vinha? E aquela sinfonia

será o azul do céu cristalizado?

E será a noite a pálpebra do dia?

 

LXXX

Falou-me o juízo, quando eu tinha sono:

– “Do irmão da morte, Omar, deves fugir.

Acorda e ama e ri e bebe e canta.

Terás tempo sem fim, para dormir.

 

LXXXI

Na primavera, sento-me no campo,

esqueço tudo e ao vinho me abandono.

E, se uma só preocupação guardasse,

seria menos do que um cão sem dono.

 

LXXXII

Vejo hoje reflorir a mocidade!

Dá-me um vinho qualquer, minha querida.

Por pior que ele seja, não terá

mais amargor do que esta minha vida.

 

LXXXIII

Para beber o orvalho da manhã

ergue a tulipa a taça, com alegria.

Vem, faze o mesmo, antes que o céu te emborque

no chão da terra – uma ânfora vazia.

 

LXXXIV

Nada mais me interessa neste mundo.

A ninguém neste mundo te assemelhas.

Dá-me o vinho e o remorso será leve

como os brincos que trazes nas orelhas.

 

LXXXV

Dizem-me sempre que o Amor e o Vinho

Levam o homem ao báratro sombrio.

Se para o inferno vão ébrios e amantes

o Paraíso deve estar vazio.

 

LXXXVI

Mesmo que a vinha tenha sido infiel

e me roubado a honra, podem crer,

não compra o taverneiro coisa alguma

como o vinho que tem para vender.

 

LXXXVII

Aos que me pedem que abandone o vinho

respondo: após bebê-lo, eu ouço as flores,

e ouço também o que dizer não pode

aquela que é o amor de meus amores.

 

LXXXVIII

Dizeis que o vinho é o único remédio?

Trazei-me todo o vinho dos lagares.

Meu coração contém tantas feridas…

E eu quero que ele guarde seus pesares.

 

LXXXIX

“Ninguém compreende o que é misterioso

nem sob as aparências pode ver.

Morada fixa só se tem a terra…”

Já chega de discurso, vem beber.

 

XC

Vinho! Mais vinho! Em turbilhões e em ondas,

que me faça esquecer quanto eu sofri.

Não fales mais, tudo é mentira. Vem.

depressa, a taça! Eu já envelheci.

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