Monteiro Lobato – O Saci

O SACI

Capítulos 21, 22, 23 e 24

21 – Más notícias

Parece que a mula-sem-cabeça tem a propriedade de afugentar os outros duendes da floresta, porque depois da sua passagem tudo por ali ficou deserto de seres. Só uma hora mais tarde é que os sacizinhos foram reaparecendo, um por um e ainda ressabiados. Mas reapareceram todos, afinal, e recomeçaram as travessuras, apenas interrompidas pela passagem da Porca dos Sete Leitões e do Caipora.

A Porca dos Sete Leitões é uma misteriosa porca alva como paina, que passeia acompanhada dos seus sete leitõezinhos, fossando o chão em procura de um anel enterrado. Só quando achar esse anel poderá quebrar o encanto e virar na baronesa que já foi. Por suas maldades no tempo em que havia escravos, um feiticeiro negro transformou-a em porca e virou seus sete filhos em leitões.

O Caipora é um duende peludo, meio homem, meio mono, que costuma cavalgar os porcos-do-mato e deter os viajantes para exigir fumo.

Aquele que por ali passou vinha montado num soberbo queixada de enormes presas salientes, tão corpulento e forte que para passar nem se desviava das pequenas árvores — ia derrubando-as.

Nisto um pio de coruja fez-se ouvir de perto. O saci apurou os ouvidos, com cara de quem não estava gostando nada daquilo.

— Aquela coruja está me chamando. Está dando sinal de que aconteceu qualquer coisa lá no sítio de Dona Benta. Tenho de ir ver o que é.

— E vai deixar-me sozinho aqui? — murmurou o menino de dentro do seu esconderijo, procurando dominar o medo.

Com o amigo perneta ao lado sentia-se seguro; mas ficar, por minutos que fosse, entregue a si próprio, naquela mata cheia de mistérios e ainda mais naquela hora sinistra da meia–noite, era duro de roer. Pedrinho, entretanto, dominou-se e disse, fazendo das tripas o coração:

— Pois vá, mas não se demore muito porque… porque gosto muito da sua prosa, ouviu?

Dando uma risadinha de quem compreendia perfeitamente o que se passava dentro do seu companheiro, o saci foi falar com a coruja.

Minutos depois regressou, visivelmente inquieto. Percebendo a mudança, Pedrinho indagou ansioso:

— Que há?

— Coisa muito grave. Quando saí do sítio de Dona Benta, deixei lá uma coruja, que é minha escrava, com ordem de avisar-me de qualquer coisa fora do comum que acontecesse. Pois bem: a coruja acaba de chegar com uma notícia nada agradável.

— Que é? Conte logo…

— A Cuca apareceu no sítio e furtou Narizinho…

— Não diga! — exclamou o menino, com os cabelos arrepiados. — Temos que salvá-la, saci! Darei tudo quanto você quiser, se me ensinar o meio de arrancar Narizinho das unhas desse horrendo monstro…

A Cuca! Pedrinho ainda tinha bem fresca na memória a lembrança dessa bruxa das histórias que a ama lhe contara nos primeiros anos de sua vidinha. Lembrava-se até duns versos que ela cantava para adormecê-lo:

Durma, nené, que a Cuca já lá vem, Papai está na roça; mamãezinha, No Belém.

Lembrava-se que ouvindo essa cantiga sentia uma ponta de medo e fechava os olhos e logo dormia. Depois que cresceu, nunca mais ouviu falar na Cuca, a não ser minutos antes, quando o saci lhe contou que a Cuca era a Rainha das Coisas Feias. Seria verdade? Verdade ou não, tinha de voltar ao sítio incontinenti e de qualquer maneira.

— Vamos embora, saci! Precisamos chegar ao sítio o quanto antes, para saber com certeza o que há. Pode ser que a coruja esteja mentindo, mas também pode ser verdade.

— Mentira não é — disse o saci. — Minha coruja não mente. Mas pode ser que a menina tenha sido raptada por outro duende que não a Cuca. E o ponto que temos de verificar.

— E se for a Cuca mesmo? Que havemos de fazer?

— Não sei. Tenho de pensar nisso. A Cuca é bastante poderosa, e má como ela só. Mas havemos de dar um jeito. Tenho cá uma ideia. Venha comigo.

Saíram do oco da peroba e tomaram o caminho do sítio de Dona Benta. A escuridão da noite não embaraçava em nada ao saci, que, como filho das trevas, enxergava no escuro ainda melhor do que ao sol. Mas o pobre Pedrinho padeceu um bocado. Só podia guiar-se pela brasa do cachimbo do saci, de modo que tropeçou em muito cipó e toco de pau pobre, afundando os pés em formigueiros e buracos de tatu, espinhando-se na cara e nos braços. Mas era tal a sua ânsia de chegar, que nem sequer a dor das arranhaduras sentiu.

— Nesta andadura chegaremos tarde — disse de repente o saci. — Se você é bom cavaleiro, poderemos ir montados num porco-domato.

— Sou. Já montei até num garrote bem taludo, que deu os maiores corcovos do mundo sem conseguir derrubar-me.

— Pois então, tudo está resolvido. Olhe! Lá vem em nosso rumo uma vara de porcos. Suba a esta árvore; assim que eu der sinal, atire-se de perna aberta para cima do lombo do que vem na frente. Eu irei na garupa.

Assim fizeram. Subiram os dois a uma árvore baixa; logo que o porco chefe passou por debaixo da árvore, Pedrinho e o saci atiraram-se sobre ele, agarrando-se aos compridos pelos do cangote. Assustado com aquela manobra, o pobre porco disparou numa galopada louca pela mata a fora, na direção desejada pelo saci. Este habilíssimo duendezinho tinha jeito para tudo, inclusive dirigir porcos-do-mato como se os trouxesse seguros por um bom par de rédeas. Pedrinho não percebeu de que modo o saci conseguia isso, nem teve tempo de o perguntar. Todas as suas energias eram poucas para manter-se firme no lombo da cavalgadura de nova espécie. Aquela corrida com o saci dentro da noite iria constituir a mais arrojada aventura da sua vida. Por mais anos que se passassem, ele jamais poderia esquecer-se dela.

 

22 – Chegam ao sítio

Depois de comprida Caminhada, o menino percebeu que já estava em terras do sítio. Viu o rancho do tio Barnabé perto da ponte. Em seguida os pastos. Finalmente a casa de sua querida vovó.

No terreiro saltaram do porco-do-mato, o qual, aliviado da carga, prosseguiu na correria com maior velocidade ainda. Foram entrando. A casa estava silenciosa, de luzes acesas — coisa muito esquisita àquela hora da madrugada.

— Temos novidade — murmurou o menino. — Luz acesa a estas horas é mau sinal…

Na sala de jantar encontrou Dona Benta sentada na sua cadeirinha, com a cabeça apoiada nas mãos. Ao lado dela, tia Nastácia escarrapachada no chão. De tal modo absorvidas estavam as duas velhas que nenhuma percebeu a chegada dos valentes salvadores.

— Que há, vovó? — foi gritando Pedrinho.

Dona Benta ergueu a cabeça e arregalou os olhos, como se a aparição de Pedrinho fosse um sonho. Tia Nastácia fez o mesmo, mais assustada do que admirada de ver o menino outra vez.

— Pedrinho! — exclamou a pobre avó com expressão de esperança nos olhos vermelhos de tanto chorar. — Até que enfim você apareceu! Estava eu aqui desesperada, porque perder um neto já era demais, mas perder dois seria coisa acima das minhas forças…

— Perder dois? Quer dizer que Narizinho sumiu?

— Sim, meu filho! Logo que você desapareceu desta casa da maneira mais misteriosa, nada dizendo a ninguém, Narizinho saiu a dar uma volta pelos pastos para ver se o encontrava. Andou por lá gritando “Pedrinho! Pedrinho!” uma porção de tempo, até que de repente se calou. Julgamos que tivesse achado o fujão e ficamos muito contentes. Mas o tempo foi passando e nada de Narizinho voltar. Tia Nastácia e eu demos uma volta pelo pasto, chegamos até à casa do tio Barnabé e nada. Isso, às três horas da tarde. Já são duas da madrugada e não tivemos ainda o menor indício de onde possa estar a coitadinha da minha querida neta…

Dizendo isto Dona Benta rompeu de novo em choro, acompanhada de tia Nastácia.

Pedrinho contou onde estivera e, depois de consultar em segredo o saci, consolou Dona Benta e a preta, dizendo que sabiam onde Narizinho estava e iam buscá-la.

— É verdade isso ou você está fantasiando para me consolar?

Pedrinho, que nunca mentia, sentiu tanto dó das pobres velhas que pela primeira vez na vida resolveu enganá-las com uma mentira de bom tamanho. Deu uma risada e disse:

— Não se assuste, vovó! Narizinho e eu resolvemos pregar uma grande peça na senhora, mas essa peça é um segredo que não posso contar. Só amanhã, ao clarear do dia — e deu uma grande risada.

Dona Benta sossegou um pouco e ralhou severamente com o menino, fazendo ver o transtorno que aquela estranha “surpresa” lhe causara. Disse que sofria do coração e que se coisas assim se repetissem o certo era ir para a cova antes do tempo.

Pedrinho sossegou-a como pôde e saiu para o terreiro, gritando que se acalmasse porque dentro de uma ou duas horas estaria de volta com a menina.

Lá no terreiro, só com o saci outra vez, voltou-se para ele e disse:

— E agora, amigo saci, que iremos fazer?

— Estou armando o meu plano — respondeu o diabrete. —Já fiz uma inspeção pela casa toda e pelo terreiro. Estou na pista do raptor.

— Raptor? — repetiu o menino sem nada compreender.

— Sim. Narizinho foi raptada pela Cuca. Descobri o rasto da horrenda bruxa perto da porteira. Temos de ir à caverna onde mora a Cuca e ver o que há.

— Mas se a Cuca é poderosa como você diz, que poderemos fazer?

— Não sei. Lá veremos. O que é preciso é não desanimar. Se ela é poderosa, eu sou astucioso. A astúcia inúmeras vezes vence a força. Faça das tripas coração e acompanhe-me. O mau foi termos deixado escapar o porco que nos trouxe. Precisamos descobrir nova montaria.

— Isso é fácil. O meu cavalinho pangaré está no pasto de dentro. Manso como é, podemos pegá-lo e cavalgá-lo em pelo.

— Pois vamos pegar o pangaré — concordou o saci.

Não foi difícil. Logo que o cavalinho reconheceu o dono, veio na direção dele no trote. Pedrinho montou, com o saci na garupa, e lá partiu na galopada.

Pedrinho logo percebeu que qualquer animal montado pelo saci mudava de modos, ficando não só mais ligeiro do que nunca e fogoso, como ainda com um senso de direção que parecia sobrenatural. Inúmeras vezes tinha cavalgado o pangaré e galopado nele; nunca, porém, o vira assim tão ardente e veloz. Era como se o saci lhe comunicasse alguma força mágica, que não é própria dos cavalos. Tal foi a velocidade desenvolvida que Pedrinho não pôde deixar de dizer:

— Mais parece o famoso Pégaso do que meu velho e lerdo pangaré! Estou estranhando isto…

— Não estranhe coisa nenhuma — aconselhou o saci. — Tudo são mistérios que só eu sei e que não vale a pena explicar agora. Não fale comigo, não me atrapalhe. Estou fazendo um grande esforço de cabeça para aperfeiçoar o meu plano de não só lograr a Cuca malvada como ainda castigá-la como merece.

— Conte ao menos um pedacinho dessa grande ideia, para me consolar.

— É uma ideia que aprendi com Dona Benta — respondeu o saci.

— Com vovó? — inquiriu o menino admirado. — Como isso, se vovó jamais teve coragem de falar com você?

— Sim, nunca falou comigo, mas muita coisa do que ela disse, eu ouvi de dentro da garrafa. Meus ouvidos são apuradíssimos. Lembro-me da história dum pingo d’água que ela contou certa noite…

— História dum pingo d’água? — repetiu o menino, cada vez entendendo menos. — Não posso perceber aonde você quer chegar.

— Quero chegar à caverna da Cuca! — respondeu o saci brincalhonamente.

Vendo que ele se recusava a contar o plano que tinha na cabeça, o menino calou-se. Esporeado pelo saci, o pangaré aumentou ainda mais a velocidade do galope, de modo que antes de meia hora já se achavam numa região inteiramente nova para o menino.

— Onde estarei eu? — ia ele pensando, sem coragem de interrogar o saci, de tal modo o via concentrado nas combinações do seu célebre plano.

 

23 – A Cuca

Súbito o saci exclamou:

— É lá!

— É lá o quê? — perguntou Pedrinho.

— A caverna da Cuca, naquela montanha de pedras nuas. Conheço bem estes sítios.

Pedrinho olhou na direção apontada e só viu grandes massas de sombras. Apesar de ser noite de lua, havia névoas no céu, de modo que a claridade não dava para perceber mais que o vulto da montanha estendida à sua frente. Que a região era pedregosa, isso Pedrinho logo percebeu, tais faíscas tirava do chão o seu cavalinho pangaré. Entretanto, não tropeçava, o que seria naturalíssimo num animal acostumado a só trotar por bons caminhos ou campos livres de pedras.

— Estou estranhando este cavalo! — Não pôde deixar de dizer o menino. — Positivamente não é o mesmo. Nem sequer tropeça…

— É que lhe dei a comer sete folhas de uma planta que só eu sei para que serve.

— Logo vi. Seria ótimo que me ensinasse o segredo dessa planta. Com ela a gente poderia até transformar um burro morto em Bucéfalo…

O saci, apesar das suas habilidades e espertezas de demoninho, ignorava a história dos cavalos célebres, e pois ficou na mesma com a citação do tal Bucéfalo.

— Que bicho é esse? — perguntou.

— Oh, era o cavalo de Alexandre, o Grande, um cavalo bravíssimo, que nenhum homem, fora Alexandre, jamais conseguiu domar. Um dia, quando estivermos sossegados, hei de contar a história dos grandes cavalos.

— Sim — interrompeu o saci — mas agora feche o bico. Estamos nos domínios da Cuca, onde qualquer imprudência nos pode custar caro. Essa horrenda bruxa tem ouvidos ainda mais apurados que os meus.

Pedrinho calou-se.

Nisto a lua saiu detrás das nuvens e ele pôde ver melhor o sítio onde se achava. Bem à frente erguia-se a muralha duma montanha de pedras negras, com arvoredo retorcido brotando das brechas. Era uma paisagem diabólica, que punha nos nervos das criaturas os mais esquisitos arrepios. Lugar bom mesmo para morada de monstros como a Cuca…

— É ali! — murmurou baixinho o saci, apontando para uma abertura negra. — É ali a entrada da caverna da grande malvada.

— Como sabe? — perguntou Pedrinho tolamente.

— Que pergunta! — respondeu o saci com ironia. — Sei porque sei. Tinha graça que um saci não soubesse onde mora a Cuca… Mas, silêncio! Temos que entrar com mil cautelas, de arrasto, como se fôssemos cobras. Não! Não! O melhor é nos disfarçarmos em folhagem.

— Como isso?

— Nada de perguntas. Faça o que eu fizer, sem discutir — ordenou o diabrete, afastando-se dali para arrancar braçadas de folhas da árvore mais próxima.

Pedrinho fez o mesmo. Em seguida o saci lascou da mesma árvore umas embiras, com as quais amarrou a folhagem em redor do seu corpinho. O menino fez o mesmo.

Ficaram tal qual dois arbustos móveis e, assim disfarçados, dirigiram-se para a caverna do horrendo monstro, pé ante pé, tão devagarzinho que levaram vinte minutos para caminhar uns poucos metros.

Súbito, ao dobrarem uma curva, viram lá num canto a rainha. Estava sentada diante duma fogueira, de modo que a claridade das chamas permitia que as “folhagens” lhe vissem a carantonha em toda a sua horrível feiura. Que bicha! Tinha cara de jacaré e garras nos dedos como os gaviões, Quanto à idade, devia andar para mais de três mil anos. Era velha como o Tempo.

— Estamos de sorte — disse o saci ao ouvido do menino. — A Cuca só dorme uma noite cada sete anos e chegamos justamente numa dessas noites.

— Como sabe? — indagou Pedrinho, cuja curiosidade não tinha limites.

O saci danou e ameaçou-o, se continuasse com tais perguntas, de deixá-lo ali sozinho para ser devorado pelo monstro. Em seguida queimou na brasa do pito uma misteriosa folha, que havia apanhado pouco antes sem que o menino o percebesse.

— Esta fumaça vai fazer que o sono da rainha seja mais pesado do que todas as pedras desta gruta. Depois de estar completamente adormecida, temos de amarrá-la muitíssimo bem amarrada.

Logo que a fumaça alcançou o focinho da Cuca, esta, que já estava dando mostras de sono, pendeu a cabeça de lado e roncou.

— Já caiu no sono — disse o saci. — Podemos agora tirar nossa roupa de folhas e sair em busca de cipós. Conheço um cipó que vale por quanta corda existe — até parece cipó próprio de amarrar cucas…

Despiram-se das folhas e saíram da caverna muito satisfeitos, porque as coisas estavam correndo às mil maravilhas.

 

24 – O novelo de cipós

Cortado o cipó, trouxeram-no em dois grandes rolos, e sem receio nenhum, pois os roncos da Cuca mostravam que ela estava a dormir como quem não dormia há sete anos começaram a amarrá-la dos pés à cabeça.

Mais uma vez teve Pedrinho de reconhecer como era hábil e arteiro o seu amigo saci. Amarrar parece coisa fácil, mas não é. Se Pedrinho houvesse amarrado a Cuca, o mais certo era que com dois safanões a bruxa se livrasse da cipoada num minuto. Mas com o saci deu-se coisa diferente. O diabinho parecia nunca ter feito outra coisa na vida. Amarrou-a com a mesma ciência com que as aranhas amarram as moscas nas suas teias, sem deixar um ponto fraco. O segredo, explicou ele, era estudar a amarração de modo que ao despertar a Cuca não pudesse fazer o menor movimento. Porque se a criatura amarrada puder fazer um pequeno movimento, por menor que seja, afrouxará um ponto no amarrilho; e depois afrouxará outro ponto — e assim irá até libertar-se duma vez.

Terminada a obra, em vez de Cuca viu-se no chão um verdadeiro carretel de cipó.

— Sim, senhor! — exclamou Pedrinho. — Aprendi mais hoje do que em toda a minha vida. Esta diaba pode ter a força de cem elefantes, mas duvido que escape da “nossa” amarração.

O saci sorriu daquele “nossa”, mas calou-se. Limitou-se a enxugar o suor da testa.

— Temos agora de acordá-la — disse depois.

— Deixe esse ponto comigo — pediu o menino. — Com um bom pau de guatambu, eu acordo-a bem acordada.

— Nada de paus! Você não conhece a Cuca. Um monstro de três mil anos, como ela, havia de rir-se das pauladas dum menino como você. À força, é impossível lutar com ela. Temos de usar da astúcia. A arma a empregar vai ser o pingo d’água.

— Lá vem o pingo d’água outra vez! — exclamou o menino. — Até parece caçoada, querer com um pobre pingo d’água dominar uma bruxa destas…

— Pois fique sabendo que é o único meio.

Pedrinho não entendeu, ficando de boca aberta a ver as manobras do saci. A engenhosa criaturinha trepou que nem macaco pelas estalactites gotejantes da gruta até alcançar a que ficava bem a prumo sobre a cabeça da Cuca. E lá, então, encaminhou um fiozinho d’água de modo que gotejasse lentamente bem no meio da testa da Cuca.

— Basta isso — disse ele. — No começo ela nem sente; mas com a continuação a dor vai ficando tamanha que há de dar-se por vencida.

— Sim, senhor! — murmurou o menino. — Está aí uma invenção que nunca imaginei, mas agora me lembro que vovó nos contou uma história assim…

— Pois é — disse o saci. — Ambos ouvimos essa história; mas só eu prestei atenção e já estou tirando partido do que aprendi. Sou dez vezes mais esperto que você, Pedrinho. Não acha?

O menino não teve remédio senão achar que era mesmo.

Os pingos começaram a cair. Os cem primeiros nenhuma impressão fizeram na bruxa, cujo sono parecia dos mais gostosos. Daí por diante já esse sono não pareceu mais tão calmo. Começou a fazer caretas, como se estivesse sonhando algum sonho horrível. Por fim abriu um olho e depois o outro.

Por vários minutos permaneceu apatetada vendo diante de si aquelas duas criaturas de mão na cintura, a olharem para ela sem dizer coisa nenhuma. Depois a sua inteligência foi acordando notou o pingo a lhe cair na testa. Quis mudar de posição. Não pôde. Só nesse momento viu que estava amarradinha como se fosse um carretel condenada à mais absoluta imobilidade.

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