Monteiro Lobato – Viagem ao Céu

Viagem ao Céu

 Capítulos 13, 14 e 15

 

13 – Proezas da Emília em Marte

Os meninos quedaram-se calados e imóveis atrás da pedra enquanto Emília se afastava. Meia hora depois já estavam inquietos.

— Fomos muito egoístas, Pedrinho, deixando que Emília saísse com o seu lampeirismo por este mundo desconhecido. Se ela nunca mais voltar, vai ser uma tristeza lá no sítio.

— Não tenha medo — animou Pedrinho. — Emília é uma danada.

E tinha razão de pensar assim, porque logo depois a boneca reapareceu, com cara alegre.

— Estamos salvos! — foi dizendo muito lambeta. — Os marcianos não nos podem ver. Fiz todas as experiências. Passei rentinha duma porção deles. Cheguei até a puxar o chicotinho de um. O coitado levou um susto, mas não me percebeu. Podemos passear por aqui sem medo de nada.

E assim foi. Saíram dali sem medo nenhum e, sempre guiados pela Emília, andaram por toda parte como se estivessem na casa da sogra. Como os dois nada pudessem ver, tinham de contentar-se com as informações da Emília.

— Estamos num maravilhoso palácio — disse ela em dado momento. — Deve ser o palácio do governo dos marcianos. Lá está o rei no seu trono, todo batatal, como se fosse o dono dos mundos…

— Como é esse rei? — perguntou a menina, ardendo de curiosidade.

— Oh, um rei e tanto e diferente dos outros marcianos. Tem o chicote da cara mais comprido. Esperem… Estou vendo que o tal chicote não serve só para falar… O rei está danado com alguém. O chicote vibra no ar e dá chicotadas num marciano… Surra e fala ao mesmo tempo… Esperem, esperem … Estou compreendendo a linguagem do chicote…

Os dois meninos começaram a ficar com medo da boneca. Parecia transformada. Não mais lembrava a Emília bobinha e asneirenta lá do sítio. Falava e raciocinava na maior perfeição como se alguma misteriosa fada lhe houvesse enxertado um novo dom.

— Já aprendi a língua dos marcianos — disse ela por fim. — Compreendo perfeitamente o que falam. E sabem o que o rei está dizendo? Está dizendo a um cara de crocotó (com certeza um ministro) que o planeta foi invadido por entes estranhos.

— Mas como pode saber disso se não nos enxerga? — observou Pedrinho.

— Não enxergam, mas sentem. O rei está falando… Está dizendo: “Há qualquer coisa de estranho por aqui. Quero que os aparelhos detectores sejam postos em ação imediatamente”.

— Que aparelhos detectores serão esses? — indagou Pedrinho. — Com certeza inventaram olhos mecânicos, já que não podem enxergar como nós. Se os tais aparelhos detectores nos descobrem, estamos fritos…

— Fritos, nada! — exclamou Emília. — Havemos de tapear estes marcianos com todos os seus crocotós.

— Que tantos crocotós são esses, Emília? — volveu Narizinho.

— São as coisas esquisitas que eles têm pelo corpo e não posso adivinhar o que sejam. Crocotó é tudo que é empelotado ou espichadinho como os tais chicotes. Os marcianos são crocotosíssimos. Esses crocotós devem ser órgãos próprios deles aqui.

— E como vamos nos arranjar com gente assim?

— Eu dou jeito — declarou Emília. — Vou descobrir os tais ‘‘aparelhos detectores” — e misturo tudo, arraso com eles.

Disse e fez. Meteu-se pelo palácio na pista do ministro, o qual, depois de receber a ordem do rei, se encaminhara para o aparelho detector ali do palácio.

Era um maquinismo esquisito e incompreensível, mas Emília sabia que todas as máquinas têm um ponto comum: só funcionam quando estão com todas as peças perfeitinhas e no lugar. Uma que seja quebrada ou retirada, e já o funcionamento da máquina inteira não é o mesmo.

Pensando assim, Emília agarrou uma espécie de martelo e começou a martelar as peças mais delicadas, quebrando ou amassando as que pôde.

O pobre ministro, muito apavorado, via o amassamento das peças sem conseguir ver o autor do estrago, e tal foi a sua impressão que de súbito caiu por terra desmaiado. Emília aproximou-se para examiná-lo de bem perto.

Que ente esquisito! Não era de carne e sim duma substância branca e mole como a borracha. Emília examinou-o demoradamente sem que conseguisse entender coisa nenhuma. Via uma porção de crocotós ou órgãos muito diferentes dos nossos. Qual seria a boca? Quais seriam os olhos ou os ouvidos? Só quanto ao chicote é que ficou certa, pois era na verdade o órgãozinho com que os marcianos se entendiam entre si.

Depois de muitas pancadas no Aparelho Detector, a boneca percebeu que daquele mato não sairia coelho, isto é, que já não havia perigo de serem detectados por aquele aparelho. Para maior segurança pregou uma terrível martelada num dos crocotós do ministro desmaiado — e foi correndo para onde estavam os meninos. A despeito da martelada no crocotó, o ministro voltou a si e foi dar parte ao rei dos esquisitos acontecimentos.

— Algum estranho invadiu os nossos domínios e acaba de arruinar o detector do palácio — disse ele. — Vi os estragos irem aparecendo como por si mesmos, mas não pude ver o autor daquilo. É invisível. E também sentia a ação do intruso em meu crocotó número 5. Deu-me tamanha martelada que quase fui para o beleléu…

— Nesse caso — ordenou o rei furioso — expeça ordem para que os quinhentos detectores do reino sejam postos em atividade — quero ver se o tal intruso tem forças para arruinar todos os nossos detectores. E logo que ele seja detectado e aprisionado, quero que o ponham num garrafão de álcool e o guardem no museu.

— Hum!… — fez Pedrinho ao ouvir essa história. — Já tive um saci na garrafa1 e não quero que me aconteça o mesmo. O melhor é safar-nos deste misterioso e perigoso planeta antes que nos detectem e engarrafem…

— Isso é o verdadeiro — concordou Narizinho. — Passe para cá a minha pitada de pirlimpimpím e azulemos daqui.

Pedrinho distribuiu as pitadas e deu o sinal:

— Um… dois… e três!

Mas na pressa com que fizeram aquilo esqueceram-se de determinar o rumo a seguir, de modo que em vez de irem para um novo planeta foram despertar na Via-láctea.

14 – A Via-láctea

Lá no sítio, quando Dona Benta falou da Via-láctea que os meninos enxergavam no céu, Emília veio com a asneirinha do costume. Estavam na varanda por uma noite muito límpida, a espiar as estrelas.

– E aquela espécie de nuvem branca que estou vendo lá – tinha perguntado Narizinho; e depois de Dona Benta contar que era Via-láctea e que láctea queria dizer “de leite”, Emília saíra-se com esta:

— Com que leite teriam feito aquilo? Para mim foi com leite da Grande Ursa…

Dona Benta explicou que naquele caso a palavra “láctea” não queria dizer “feito de leite”, como são os queijos e requeijões, e sim que tinha a aparência duma coisa leitosa.

— E “leitosa” não quer dizer “feita de leite”?

— Não. Leitosa quer dizer que dá ideia da cor do leite ou da consistência do leite. Aquilo lá no céu é o que os astrônomos chamam “nebulosa”. A Via-láctea é uma das muitas nebulosas que com o telescópio eles enxergam no espaço. Deram-lhe o nome de Via-láctea por causa da cor branquicenta com que a vemos daqui.

— E que é nebulosa? — perguntara Pedrinho.

Dona Benta cocou a cabeça. Não é fácil explicar às crianças o que é uma nebulosa. Por fim disse:

— Há várias hipóteses, meu filho. A hipótese mais aceita hoje é que são verdadeiros universos dentro do universo — arquipélagos de estrelas em tais quantidades que à distância parecem uma nebulosa, uma nuvem. São milhões de estrelas afastadíssimas.

— Todas como o Sol?

Lá no sítio, quando Dona Benta falou da Via-láctea que os meninos enxergavam no céu, Emília veio com a asneirinha do costume. Estavam na varanda por uma noite muito límpida, a espiar as estrelas.

– E aquela espécie de nuvem branca que estou vendo lá – tinha perguntado Narizinho; e depois de Dona Benta contar que era

Via-láctea e que láctea queria dizer “de leite”, Emília saíra-se com esta:

— Com que leite teriam feito aquilo? Para mim foi com leite da Grande Ursa…

Dona Benta explicou que naquele caso a palavra “láctea” não queria dizer “feito de leite”, como são os queijos e requeijões, e sim que tinha a aparência duma coisa leitosa.

— E “leitosa” não quer dizer “feita de leite”?

— Não. Leitosa quer dizer que dá ideia da cor do leite ou da consistência do leite. Aquilo lá no céu é o que os astrônomos chamam “nebulosa”. A Via-láctea é uma das muitas nebulosas que com o telescópio eles enxergam no espaço. Deram-lhe o nome de Via-láctea por causa da cor branquicenta com que a vemos daqui.

— E que é nebulosa? — perguntara Pedrinho.

Dona Benta cocou a cabeça. Não é fácil explicar às crianças o que é uma nebulosa. Por fim disse:

— Há várias hipóteses, meu filho. A hipótese mais aceita hoje é que são verdadeiros universos dentro do universo — arquipélagos de estrelas em tais quantidades que à distância parecem uma nebulosa, uma nuvem. São milhões de estrelas afastadíssimas.

— Todas como o Sol?

Lá no sítio, quando Dona Benta falou da Via-láctea que os meninos enxergavam no céu, Emília veio com a asneirinha do costume. Estavam na varanda por uma noite muito límpida, a espiar as estrelas.

– E aquela espécie de nuvem branca que estou vendo lá – tinha perguntado Narizinho; e depois de Dona Benta contar que era a Via-láctea e que láctea queria dizer “de leite”, Emília saíra-se com esta:

— Com que leite teriam feito aquilo? Para mim foi com leite da Grande Ursa…

Dona Benta explicou que naquele caso a palavra “láctea” não queria dizer “feito de leite”, como são os queijos e requeijões, e sim que tinha a aparência duma coisa leitosa.

— E “leitosa” não quer dizer “feita de leite”?

— Não. Leitosa quer dizer que dá ideia da cor do leite ou da consistência do leite. Aquilo lá no céu é o que os astrônomos chamam “nebulosa”. A Via-láctea é uma das muitas nebulosas que com o telescópio eles enxergam no espaço. Deram-lhe o nome de Via-láctea por causa da cor branquicenta com que a vemos daqui.

— E que é nebulosa? — perguntara Pedrinho.

Dona Benta cocou a cabeça. Não é fácil explicar às crianças o que é uma nebulosa. Por fim disse:

— Há várias hipóteses, meu filho. A hipótese mais aceita hoje é que são verdadeiros universos dentro do universo — arquipélagos de estrelas em tais quantidades que à distância parecem uma nebulosa, uma nuvem. São milhões de estrelas afastadíssimas.

— Todas como o Sol?

Lá no sítio, quando Dona Benta falou da Via-láctea que os meninos enxergavam no céu, Emília veio com a asneirinha do costume. Estavam na varanda por uma noite muito límpida, a espiar as estrelas.

– E aquela espécie de nuvem branca que estou vendo lá – tinha perguntado Narizinho; e depois de Dona Benta contar que era Via-láctea e que láctea queria dizer “de leite”, Emília saíra-se com esta:

— Com que leite teriam feito aquilo? Para mim foi com leite da Grande Ursa…

Dona Benta explicou que naquele caso a palavra “láctea” não queria dizer “feito de leite”, como são os queijos e requeijões, e sim que tinha a aparência duma coisa leitosa.

— E “leitosa” não quer dizer “feita de leite”?

— Não. Leitosa quer dizer que dá ideia da cor do leite ou da consistência do leite. Aquilo lá no céu é o que os astrônomos chamam “nebulosa”. A Via-láctea é uma das muitas nebulosas que com o telescópio eles enxergam no espaço. Deram-lhe o nome de Via-láctea por causa da cor branquicenta com que a vemos daqui.

— E que é nebulosa? — perguntara Pedrinho.

Dona Benta cocou a cabeça. Não é fácil explicar às crianças o que é uma nebulosa. Por fim disse:

— Há várias hipóteses, meu filho. A hipótese mais aceita hoje é que são verdadeiros universos dentro do universo — arquipélagos de estrelas em tais quantidades que à distância parecem uma nebulosa, uma nuvem. São milhões de estrelas afastadíssimas.

— Todas como o Sol?

— Sim, meu filho. O Sol é uma estrela da infinidade de estrelas que há no espaço infinito. Está apenas a 150 milhões de quilômetros daqui, tão pertinho que sua luz leva só 8 minutos e 18 segundos para chegar até cá, caminhando com a velocidade que vocês sabem…

— Trezentos mil quilômetros por segundo — lembrou Pedrinho.

— Isso mesmo. Veja como é perto o Sol! Em 8 minutos e 18 segundos a sua luz chega até nós. Depois do Sol a estrela mais próxima da Terra está a 40 trilhões de quilômetros ou 4 anos-luz. Quer dizer que a luz dessa estrela leva quatro anos para chegar até nós.

— Irra!…

— E sabe que essa estrela está também muito perto de nós?

— Será possível? — exclamou Pedrinho assombrado. — Haverá ainda coisas mais distantes?

— Sim, meu filho. Os modernos telescópios revelam nebulosas a 500 milhões de anos-luz da Terra…

— Quinhentos milhões, vovó? — repetiu Pedrinho no maior dos assombros. — Isso também é demais; chega a ser desaforo…

— Quando inventarem telescópios ainda mais poderosos que os de hoje, é possível que essas nebulosas sejam consideradas próximas. Descobrir-se-ão outras a bilhões de anos-luz… Pois as nebulosas são isso — verdadeiros universos dentro do universo, a tremendas distâncias do nosso sistema planetário. E quando nos pomos a pensar no número de estrelas, então é que ficamos tontos de uma vez. A nossa galáxia, isto é, o universo onde está o nosso Sol e mais as estrelinhas que vemos no céu, compõe-se de mais de 40 bilhões de estrelas…

— Quarenta bilhões, vovó? Estou ficando totalmente tonto…

— Pois tonteie duma vez, sabendo que os telescópios revelam a existência de mais de 100 milhões de nebulosas, isto é, de universos dentro do universo, cada uma delas com bilhões e bilhões de estrelas…

Pedrinho fingiu que caía para trás…

Isso no sítio, nas conversas astronômicas de Dona Benta. Mas agora que estavam no céu e o fiunnn os levara justamente à Via-láctea, não quiseram saber daquela Via-láctea dos astrônomos.

Quiseram a Via-láctea da Emília, muito mais interessante. E foi na Via-láctea da Emília que eles brincaram, lá nos espaços infinitos.

Emília estava que nem doida. Viu por ali inúmeras estrelinhas em formação e começou a brincar com elas como se fossem amigas de infância e a contar-lhes histórias lá do sítio, proezas de Rabicó, façanhas do extinto Visconde de Sabugosa e do novo Doutor Livingstone. As estrelinhas divertiam-se com as novidades, mas confessavam não terem a menor noção da Terra.

— Parece incrível a ignorância destas bobinhas! — exclamou Emília quando suas amigas estrelas começaram a piscar para dormir. — Não sabem nada de nada. Falei do nosso grande planeta Terra, falei da Lua, falei de Marte — e todas arregalaram os olhos e abriram a boca. Era a primeira vez que estavam ouvindo tais palavras…

— Ah, Emília! — suspirou Pedrinho. — Isso prova como o universo é infinitamente grande e como a nossa Terra é pulga. Menos que pulga: é espirro de espirro de espirro de pulga. Cada uma dessas estrelinhas quando cresce vira um sol

— E sabe, Emília, quantas vezes a massa do nosso Sol é maior que a da Terra?

Emília não sabia.

— Um milhão e trezentas mil vezes! — declarou o menino. — O Sol é dum tal tamanho que até dá dor de cabeça nos astrônomos — e há estrelas muitíssimo maiores que ele. Mas quando o Sol nasceu devia ser um coitadinho como estas suas amigas daqui.

— Então é a isto que Dona Benta chama de “massa cômica”? — perguntou Emília.

Pedrinho riu-se.

— Massa cósmica, bobinha. Cômico quer dizer outra coisa. Cômico é o que é engraçado. Cósmico quer dizer relativo ao mundo, ou aos mundos, ou ao universo, que é o conjunto dos mundos.

— Mas que tem a palavra cósmico com mundo? Devia ser “massa múndica” e não massa cósmica.

— Vovó já explicou esse ponto. É porque em grego mundo é kosmos.

Enquanto falava, Emília ia fazendo um montinho de estrelas das menores, para enfeite de seu museu lá no sítio. E Narizinho, longe dali, pulava de cima das estrelas mais graúdas, sobre outras, tal qual lá no sítio pulava dum capim para trepar em outro.

Mais adiante havia um ponto onde a massa cósmica estava ainda pura, sem nenhuma estrelinha formada. Emília correu para lá e pôs-se a enrolar entre as palmas das mãos aquela massa luminosa, como Tia Nastácia enrolava massa de trigo para fazer bolinhos.

— Olhem que linda fiz agora! — disse ela mostrando uma enrolada em forma de rosquinha de polvilho. — Estrelas de rosca não existem no céu. Vou fazer uma porção e soltá-las no espaço para irem crescendo. Imaginem a cara dos astrônomos em seus telescópios, quando derem com as “estrelas emilianas”, todas em forma de rosca…

Pedrinho só queria saber de cometas. Juntou uma dúzia dos mais engraçadinhos para os levar — e ria-se de gosto, imaginando a cara de Dona Benta ao vê-lo ir tirando do bolso filhotes e mais filhotes de cometa.— Parecem sapinhos de cauda, só que estes não perdem o rabo quando crescem. Ficam de caudas cada vez maiores. Aquele cometa de Halley que vovó viu em 1.910 tinha uma cauda de 45 milhões de quilômetros…

E Pedrinho começou a contar o que sabia dos cometas.

— São uns astros muito curiosos — disse ele. — Também giram em redor do Sol como os planetas, mas têm as órbitas diferentes.

— Que é órbita? — perguntou Emília.

— Órbita é o caminho percorrido por um astro. A órbita dos planetas é quase um círculo, mas a dos cometas tem a forma do que os sábios chamam “elipse”.

— E que é elipse? — tornou a perguntar Emília.

— É a forma dos balões dirigíveis ou daqueles bolinhos compridos que Tia Nastácia faz. Os cometas passam muito perto do Sol e depois se afastam a distâncias tremendas. E levam assim toda a vida: a se aproximarem e depois a se afastarem do Sol. Segundo diz vovó, esse cometa de Halley, depois de passar perto do Sol, afasta-se até para lá da órbita de Plutão, que é o fim dos nossos mundos (estes mundos que giram em redor do Sol). Afasta-se sabe quanto? Afasta-se 1 bilhão e 300 milhões de léguas. Quando chega ao extremo da elipse, sente-se tão enregelado que volta para aquecer-se novamente ao calor do Sol. E assim toda a vida. Dá uma volta completa em setenta e seis anos.

— Que bobo! — exclamou a boneca. — Muito melhor se girasse sempre à distância em que a Terra gira, porque então teria um calorzinho sempre igual.

— Eles que usam o sistema da elipse é porque gostam — disse a menina. — Devem ter suas razões. E que mais você sabe dos cometas, Pedrinho?

— Sei a história do cometa Biela, que é muito interessante. Esse Biela costumava dar o seu giro completo em seis anos e meio, mas da vez em que passou à vista da Terra em 1.846 aconteceu-lhe uma coisa extraordinária: partiu-se em dois! Dividiu-se em dois cometas de órbitas paralelas, cada qual com o seu “núcleo”, ou cabeça, e a respectiva cauda.

— Que engraçado! E apostaram corrida no céu?

— Sim. Um começou imediatamente a afastar-se do outro. Um mês depois já estava a 60.000 léguas na frente. Seis anos e meio mais tarde a parelha de cometas foi novamente vista nos céus da Terra, mas separados por uma distância de 500.000 léguas.

— E depois?

— Depois decorreram diversos períodos de seis anos e meio sem que os dois Bielas voltassem, até que no dia 27 de novembro de 1.872 reapareceram desfeitos em milhares de fragmentos luminosos, sempre a correrem pela mesma órbita.

— Que história é essa?

— É que os dois Bielas se haviam espatifado completamente e agora estavam girando transfeitos em farelo de cometa. Os astrônomos calcularam em 160.000 o número dos pedaços dos Bielas que riscaram o céu naquela noite…

— Que assombro dos assombros não devia ser! — exclamou a menina entusiasmada. — Que beleza!…

— Também acho — concordou Pedrinho — e creio que nunca em tempo algum houve pelos céus da Terra um espetáculo mais portentoso. Cento e sessenta mil pedaços de cometa, imaginem!…

— Que regalo para os astrônomos, não?

— Sim, e deu-se um caso muito cômico. O Flammarion, que era um dos maiores astrônomos da época, estava naquele mês em Roma, convalescendo de um ataque de malária. E por causa da doença tinha de recolher-se muito cedo todos os dias. Pois na famosa noite de 27 de novembro aconteceu-lhe a coisa mais terrível de todas.

— Já sei! — gritou Emilia. — Caiu-lhe na cabeça um dos 160.000 pedaços do Biela…

— Não! Coisa muito pior. Flammarion foi para a cama às seis horas da tarde e a maravilhosa chuva de estrelas começou uma hora depois, exatamente às sete, e durou seis horas. Durou das sete até uma hora da madrugada — e ele roncando lá na cama, com as janelas fechadas!… No outro dia, quando se levantou e soube do acontecido, quase morreu de sentimento.

— Mas não houve por lá uma alma caridosa que o acordasse a tempo?

— Não houve nada. Todo mundo estava de nariz para o céu e ninguém se lembrou dele.

— Eu me matava — disse Emília. — Se eu fosse astrônoma e perdesse um espetáculo desses, juro que…

— …que pregava um tiro de canhão na orelha, já sei — concluiu Pedrinho.

Muitas outras coisas ainda disse o menino sobre os cometas. Só parou quando viu Emília bocejar — então foi encher os bolsos de cometinhas novos. Enrolava-lhes a cauda em redor do núcleo e guardava-os. Narizinho, que também estava a lidar com aquilo, teve de repente uma ideia cômica.

— Sabem o que vou fazer? Amarrá-los uns nos outros pelas caudinhas e soltá-los no éter. Imaginem como vão ficar engraçados quando crescerem! E a dor de cabeça dos astrônomos do futuro para decifrar o mistério…

— Eles não se apertam — disse Pedrinho. — Armam logo uma hipótese e pronto.

— Que é hipótese, Pedrinho? — perguntou Emília. — Dona Benta usa muito essa palavra, que acho ótima para nome do bezerro da Vaca Mocha.

— Hipótese — explicou Pedrinho — é quando a gente não sabe uma coisa e inventa uma explicação jeitosa.

Emilia gostou tanto daquela palavra que se pôs a repeti-la de todos os modos, como era seu costume com as palavras importantes. Hipótese — tesehipo, setepohi, pohitese…

— Pare, Emília! — ralhou a menina. — Pelo menos aqui neste canteiro de mundos não mexa na torneirinha…

Mas a boneca nem ouvia. Estava às voltas com uma estrela dupla, coisa rara como trevo de quatro pétalas num jardim.

— Achei uma das duplas! — gritou ela. — Vou levá-la de presente ao meu cavalinho sem rabo.

Depois, voltando aos cometas, teve uma ideia excelente.

— Que tal, Pedrinho, se eu plantar um rabo de cometa no meu cavalinho sem rabo? — e sem esperar resposta arrancou o rabo dum dos cometinhas, enrolou-o e guardou-o no bolso do avental, enquanto ia murmurando lá consigo: “Como ele vai ficar contente!”

— Você falou em cavalo, Emília — disse Pedrinho – e me fez lembrar do Burro Falante. Com certeza está enganchado na cauda dum desses grandes cometas que andam como malucos girando pelos espaços; e o meio de o acharmos é um só: sairmos em procura deles montados em outro cometa. Foi o que eu disse a São Jorge. É possível que aqui encontremos um cometa já crescidote que nos agüente no lombo. Vamos ver se descobrimos um que sirva.

E puseram-se a procurar um cometa já taludote. Súbito, Emília, que se afastara dos meninos, gritou lá longe:

— Estou vendo um que serve. Corram depressa!… Pedrinho e Narizinho correram para lá e realmente viram um cometa de linda cauda e do tamanho exato que queriam. Um verdadeiro potrinho.

Mas não foi fácil agarrá-lo. Era um cometa arisco e manhoso, sabido como ele só; nunca tinha visto gente, de modo que corcoveava e fugia assim que eles se aproximavam. Mas, cerca daqui, cerca dali, conseguiram afinal pegá-lo, e Pedrinho, que era bom cavaleiro, montou-o dum pulo. Depois, dando a mão à menina e à boneca, fez que as duas também montassem.

— E rédea? Como arranjar rédea para guiar este potro pelos espaços?

— Faça uma rédea de caudas de outros cometinhas — gritou Emília. — Rabo de cão se cura com mordedura do próprio cão, como diz Tia Nastácia.

Pedrinho gostou da ideia, e mesmo montado conseguiu alcançar e arrancar vários rabos de cometinhas menores, que num instante teceu em forma de rédea e passou pelo “núcleo” do potro. Os pobres cometinhas derrabados olhavam para trás desapontadíssimos e muito sem jeito. Quem se acostuma com rabo não sabe viver sem ele.

— Não se aflijam! — gritou-lhes a boneca. — Lá em casa há um ilustre marquês que também não tem rabo e vive muito bem. E chama-se Rabicó justamente por isso. Rabicó quer dizer sem rabo. Vocês ficam sendo os rabicós celestes…

Depois de bem domado aquele Potro dos Céus, Pedrinho perguntou:

— Pronto? Podemos partir?

— Não ainda! — gritou Emília. — Esqueci de pôr no bolso o meu montinho de estrelas. Espere que já volto — e apeando-se foi encher de estrelinhas o bolso do avental. Depois montou de novo e berrou para Pedrinho:

— Pronto! Podemos fincar as esporas nesta “hipótese”.

Pedrinho não fez isso; fez coisa mais importante: esfregou no nariz do cometa uma boa pitada do pó de pirlimpimpim.

O potrinho celeste espirrou e saiu ventando.

 

15 – A cavalgada louca

Aquilo até parecia fábula. Estarem montados num cometa, a voarem com velocidade de cavalos-luz, era coisa que quando fosse contada aos povos da Terra havia de provocar sorrisos de incredulidade.

— É o que me aborrece — ia dizendo Pedrinho. — Quando contarmos esta proeza, ninguém na Terra vai acreditar…

— Vovó acredita, juro! — disse Narizinho. — Vovó está tão treinada em nossas maravilhas que não há nada em que não acredite. E Tia Nastácia também.

— Isso sei eu — mas os outros? Todos os outros adultos hão de dizer que é fantasia nossa.

— Ora os adultos! — exclamou Narizinho com ar de pouco-caso. — Não há maior sem-gracismo do que ser adulto. Bem razão tinha Peter Pan em não querer crescer, em não querer nunca virar gente grande — ou “adulto”, como eles dizem com todo o pedantismo. A tal gente grande não sabe fazer a única coisa interessante que há na vida…

— Que é, Narizinho?

— Ora que é! Brincar, bobo. Tirando o brinquedo, que é que resta na vida? As gentes grandes arrumam a casa, varrem, lavam roupa, guiam bondes nas ruas, entregam pão nas portas, constroem navios, escrevem livros, jogam no bicho, guerreiam — fazem tudo, menos a grande coisa que é brincar, brincar, brincar até arrebentar, como nós…

— É verdade — concordou o menino. — Mas por que será que os adultos não brincam?

— De medo de parecerem crianças. Eles morrem de medo de parecer crianças, como se não fosse dez vezes mais importante ser criança do que ser uns homões de bigodes feito taturanas debaixo do nariz, ou umas mulheronas gordas, cheias de rugas na cara, sardas e pés-de-galinha.

— É como eu penso — volveu Emília lá da garupa. — Se em vez de boneca eu tivesse nascido gente grande, sabem o que fazia? Suicidava-me com um tiro de canhão na orelha.

Enquanto isso o cometinha voava pelos espaços com uma velocidade incrível. Quanto tempo durou aquela corrida? Impossível calcular.

— Estamos devorando anos e mais anos-luz — dizia Pedrinho.

E na corrida louca passavam perto de quantas constelações existem pelos céus.

— Lá está a Grande Ursa — explicava Pedrinho. — E agora vamos nos aproximando da constelação de Cassiopeia e da constelação da Girafa…

Todos se admiravam da sabedoria de Pedrinho. Parece que sabia de cor todas as estrelas do céu. Em certo ponto Emília pediu:

— Não se esqueça de me chamar a atenção quando passarmos perto da Cabeleira de Berenice. Fiz aquela promessa a São Jorge e tenho de cumprir.

— E aquela lá longe é a constelação da Lira — continuou Pedrinho. — Recebeu esse nome porque lembra a forma de vaso duma lira.

— Isso não! — contestou a boneca. — A lira sempre foi redonda.

— Redonda? Você está sonhando, Emília.

— Sim, sim — insistiu a bobinha. — Dona Benta tem várias moedas na gaveta e entre elas uma lira bem redonda.

Pedrinho deu uma gargalhada.

— Boba! A lira dessa constelação não é a lira moeda da Itália — é a lira grega, um instrumento de música dos antigos, quando não havia violão nem piano. Os poetas até hoje falam muito em lira. Eles vivem “tangendo a lira…”

— E não se pode dizer “tocando a lira”? — quis saber a boneca.

— Não — respondeu Pedrinho. — A lira tange-se, não se toca. Tocar é para sino, viola ou piano.

— E para frango também — acrescentou Emília. — Tia Nastácia vive tocando os frangos que entram na cozinha.

Emília quis saber a forma da lira, quantas cordas tinha e de que modo era “tangida”. E Pedrinho estava a explicar tudo isso minuciosamente, com muitos gestos e micagens, quando, de repente, perdeu o equilíbrio e caiu do cometa abaixo, exatinho como quem cai dum cavalo xucro — e lá rodou pelos espaços infinitos.

— Acudam! — berrou Narizinho na maior aflição. — Pedrinho caiu no éter.

A situação era na verdade gravíssima. Dos três viajantes só Pedrinho era astrônomo e, além disso, só em seu bolso havia o maravilhoso pó de pirlimpimpim. Sem Pedrinho e sem o pó, como se arrumariam — como voltariam para casa? E Narizinho começou a sentir todas as angústias do terror.

— E agora? — gemia ela. — E agora, Emília, que vai ser de nós, largadas sozinhas nestes desertos infinitos? Gritar não adianta. Chorar, ainda menos. Que havemos de fazer, Emília?

A boneca não se apertou.

— O que temos a fazer, Narizinho, é não fazer coisa nenhuma. É ficarmos agarradinhas a este cometa e deixarmos que ele corra pelo espaço até que se canse e pare. Depois veremos.

A calma da boneca não sossegou a menina; mas ao lembrar-se de que muitas vezes se vira em aperturas tremendas e tudo acabou bem, resolveu sossegar — e foi sossegando. A falta de Pedrinho, entretanto, era enorme. Só ele sabia a ciência do céu, o nome das estrelas e planetas, de modo que sem ele um vôo pelos espaços de nada adiantava — iam passando perto das mais lindas constelações sem saber como se chamavam.

E assim rodaram as duas em silêncio durante minutos e minutos. A velocidade do cometa parecia cada vez maior. Se Dona Benta pudesse prever por onde elas andavam…

Súbito, Emília deu voz de alarma.

— Um cometão! — gritou. — Um cometão enorme vem vindo ao nosso encontro.

Narizinho, que estava de cabeça baixa, pensativa, ergueu os olhos e viu. Viu realmente um cometa de enormíssima cauda avançando na direção do delas. Pelo jeito os dois iam encontrar-se e chocar-se — e ai do pequenino! Narizinho lembrou-se da conversa de Dona Benta sobre a atração que os astros exercem uns sobre os outros, e viu que a força de atração do cometa grande estava puxando para si o cometinha. Era talvez por isso que a velocidade aumentava tanto. E a conseqüência seria fatal: o grande engoliria o pequeno.

— Vamos ficar sem cavalo, Emília! O cometa grande está atraindo o nosso…

— E que tem isso? — foi a resposta da boneca. — Se o cometa grande atrair o nosso, apenas mudaremos de cavalo. Em vez de montadas num cavalinho, iremos devorar o éter num verdadeiro cavalão de Tróia.

O cometa grande rapidamente crescia de vulto. Foi ficando imenso, imensíssimo, até que…

Bum!… os dois se chocaram com horrível estrondo. Narizinho e Emília perderam os sentidos.

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