Resumo:
Dois pastores entram numa capela e ficam maravilhados com os bonitos objetos, que nunca tinham visto. Há pessoas da corte, com roupas festivas. Tudo que os pastores falam é engraçado. Tentam adivinhar o que é cada objeto e para que serve. Surge a Fé, segundo eles, vestida como uma moura. A Fé explica: é noite de natal. E esclarece sobre a natividade.
GV021. Benito e Brás.
No no no no no no
No no no,
Que no quiero estar en casa;
No me pagan mi soldada,
No no no, que no que no.
No me pagan mi soldada,
No tengo sayo ni saya
No no no, que no que no.
(canta João Batista Carneiro)
Comentário:
Para cada auto de natal Gil Vicente criava uma situação nova. O objetivo das apresentações era sempre o mesmo mas o dramaturgo variava as situações. Os pastores falam um castelhano bem rústico e a Fé fala português. Nesta peça há dois aspectos que indicam o que virá a ser o futuro Gil Vicente: um grande humanista precursor e um crítico feroz ao tipo de catolicismo do Portugal de então.
Quando a Fé pede aos pastores que cantem em louvor ao nascimento do menino, ela insiste: cantai per vosso uso acostumado, como lá cantais co’ o gado. (Cantem como estão acostumados a cantar junto do gado). E eles cantam uma canção popular. Isto era vanguarda, o uso das tradições populares como recurso expressivo para manifestação da religiosidade.
Por outro lado, uma das primeiras falas de um dos pastores, quando entra na capela, é: Mas que monton de coronas! Bendigalos santo Anton. (Mas que monte de coroinhas! Bendiga-os santo Antonio), aludindo ao grande número de padres. Santo Antonio é uma zombaria, pois que era o protetor dos animais. Numa peça futura, Gil Vicente vai abordar o problema da quantidade de religiosos com mais precisão e sarcasmo. Chegaremos lá.