GIL VICENTE 07. AUTO DA ALMA (1508)

Resumo:

Santo  Agostinho esclarece que, assim como os peregrinos descansam em estalagens, a Alma tem uma pousada para repouso durante sua jornada na vida: a Santa Madre Igreja. Entram um Anjo e a Alma. O Anjo está ali para orientá-la na jornada. Ao afastar-se o Anjo, o Diabo tenta a Alma com prazeres. Volta o Anjo e encoraja a Alma a resistir. O Diabo veste-a com riquezas e jóias. É a luta da Alma. Diz que está cansada e o Anjo a leva à estalagem. A Igreja a acolhe. Dois Diabos lamentam por almas perdidas. A Igreja pede aos seus quatro Doutores, Agostinho, Ambrósio, Jerônimo e Tomás, para apresentar à Alma os símbolos sagrados e explicar os seus significados. Os símbolos são chamados de iguarias sobre a mesa de refeição. São eles: açoites, a coroa de espinhos, os pregos e o crucifixo. Em louvor, entoam um Te Deum.

GV018. Diabo (fala)

Tão depressa, ó delicada,

Alva pomba, pera onde is?

(fala: Jorge Teles)

GV019. Igreja e Doutores

Te Deum, laudamus.

Vexilla regis prodeunt.

Salve Sancta Facies.

Ave Flagellum.

Ave corona espiniarum.

Dulce lignum, dulcis clavus.

Domine Jesu Christe.

Te Deum laudamus.

(cantam Geovani Dallagrana, Gerson Marchiori, Graciano Santos)

 

Comentário:

Eis uma peça de Gil Vicente inteiramente em português. É de impressionar como, durante cinco séculos, o texto é muito fácil de se compreender, com pouquíssimas palavras caídas em desuso.

Pelo tema, a luta entre o bem e o mal, pelas alegorias da Alma e da Igreja, pelo clima místico das falas, esta é, com toda certeza, a mais medieval das criações de Gil Vicente. O terrorismo da Igreja, cuja filosofia colocava no sofrimento a salvação da alma e a consecução do Paraíso, aqui transparece claro e objetivo. Todavia, a estrutura da peça é já clássica, com seus versos cheios de lirismo e métrica quase sempre perfeita.

Fico imaginando a platéia, formada em sua maioria pela nobreza de Portugal, com seus criados particulares, ouvindo as falas do anjo que condena o luxo: “não vos ocupem vaidades, riquezas…” E a alma, cansada, diante da Igreja: “…sou culpada, havei piedade de mim”. Sairiam da peça com algum complexo de culpa?

Nota: Para cada apresentação da “iguaria”, é cantado um hino católico, do qual é citado apenas o título. Juntei os títulos numa sequência e fiz a canção, que, se traduzida, não tem sentido nenhum: A ti, Deus, louvamos, avancem os estandartes do Rei, salve a Santa Face (da toalha de Verônica), salve o chicote, salve a coroa de espinhos, doce é o madeiro (cruz), doce o prego, Ó Senhor Jesus Cristo, a Ti, Deus, louvamos.

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