o dia sem nome, 14

O dia sem nome, 14.
A luz vermelha acendeu. John pegou no fone mas não ouviu se não um sussurro, seguido de um estranho ringido.
meus olhos
o o fone caiu, levando junto sua mão e o braço e ele afundou desmanchado e mole. A luzinha demorou três dias a se apagar. O fone pendurado caiu no chão depois de oito anos, quando, finalmente, o fio acabou de apodrecer. O teto só desabou dezesseis anos e sete meses mais tarde, num inesperado e não programado tremor de terra que mergulhou Sidnei na poeira.
Sidnei também não tinha escapado, como todas as demais. Nos arquivos e bibliotecas os papéis petrificaram-se lentamente, que nem mofo nem traças havia para ultrajar a sua importância. O segundo concerto para piano de Brahms terminou nos aparelhos de rádio, que continuaram ligados mas o locutor não anunciaria a obra seguinte nem haveria a obra seguinte. No escritório municipal de identificação ficaram documetos plastificados com suas indicações precisas, que não identificavam mais ninguém. Os insetos do colecionador secaram e viraram poeira e ninguém mais os olharia com admiração. O jovem estudante de teatro não terminou de ensaiar sua pantomima onde mostraria a uma platéia imensa, agora esfarelada como ele, a sua interpretação do que é o destino do homem. Na fábrica de balanças, balanças balançaram longo tempo e apenas uma, dentre cento e setenta e sete prestes à embalagem, conservou seu ponteiro emperrado no zero; todas as outras foram aumentando lentamente a indicação do mostrador, enquanto recebiam nos pratos os pedaços dos destroços que caíam. Num pátio qualquer, uma fileira de fardas esfarelou porque a revista da tropa não foi efetuada. E não haveria mais farda nem soldado nem revista nem tropa. As armas não voltaram a soar nem a matar. Os recreios das crianças não voltaram também a ser ruidosos como um bando de pássaros e também os bandos de pássaros não eram mais. Os números escritos não significavam mais nada. Os relógios, programados alguns a trabalhar por dois séculos, com uma margem de erro infinitesimal, foi que continuaram a indicar as horas aos inexistentes deuses do silêncio.
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