apolo e jacinto, 16

apolo e jacinto, 16.

uma catarata começou a cair lá longe. com um barulho de chuva. ficou assim um infinito, mas, à custa da repetição, sempre igual, não demorou mais que um minuto. foi o resto que demorou. aquela luz, de onde provem esse brilho?, que se apaga, mal fere a Minha consciência. chamados pairavam no ar, como pássaros feiticeiros, ora imóveis e suspensos, ora vertiginosos e desequilibrados, como se dançassem a dança da loucura. algo em seus corpos se acendia, agora uma impressão fugidia, depois um arrepio e um esquecimento completo. teófilo queria perguntar quem é você?, o que procura no meu corpo?, por que me puxa contra si?, mas ao precisar a primeira palavra da pergunta, os pássaros, suspensos como balões, estouravam ou começavam a voar furiosos, soltando gargalhadas. alio queria se concentrar na existência de algo que se plantara dentro de suas coxas, mas sentia a cabeça rolando sozinha no espaço, em meio a pequeninas explosões coloridas. Parece que há u’a mão que me acaricia, mas onde está ela e por que estes rumores estranhos? Sinto que uma perna enche meu corpo, mas, como descobri-la?,  se o único que me envolve são estas brasas derretidas… Quero acordar, acho que sonho, há alguém apertando meu peito pra me matar mas não tenho forças pra acordar… Quero acordar, acho que sonho, há alguém segurando minha bunda, não tenho forças pra acordar…
de repente, tudo foi se concentrando num só ponto, as aves desceram o vôo, as vozes se acomodaram no ninho, os sons se transformaram na ressonância de um bronze muito duro, sonoro, tenso, imóvel, e teófilo e alio sentiram que seus sexos estavam em chamas, como uma fera que acordasse, inflando, crescendo, aumentando, serpentes enormes à espera da presa a ser estraçalhada, dragões ávidos em busca da vítima a ser carbonizada com um jato de fogo.
os dois corpos estavam colados, os dois rostos estavam próximos, os dois sexos trocavam calor entre si, executavam transfusões de energia, eram uma só carne, misturada, dissolvida, viva como uma esponja embebida num incêndio.
abriram os olhos. alio quis baixar a cabeça e não conseguiu. teófilo sorriu.
foi você que me acordou?
não. não sei… acordei com você, o senhor… você… me abraçando.
está com raiva de mim?
não, não…
silêncio.
o silêncio virou um abraço demorado e infinito e eterno e o abraço virou luta e a luta virou a infrutífera busca mil vezes intentada de se transformar nele, Transformá-lo em mim, fazer desaparecerem duas existências e fundi-las numa só, como uma brilhante bolha de óleo, depositada na água, flutuando iluminada, aproximando-se de outra bolha de óleo, flutuando iluminada, e, num estalo, numa explosão abafada, num gemido escondido, as bolhas são já uma só bolha, uma luz, uma vida, uma existência.
teófilo suava, alio suava. teófilo estava aflito como cavalo ferido, narinas abertas, boca contorcida, peito em terremoto. alio estava desesperado como peixe no anzol, boca machucada, sem ar, sem maneira de dissolver o calor do membro ereto, eternamente ereto, sem conseguir que rebentasse dentro dele uma outra explosão.
a voz de teófilo gemeu do fundo, chorosa, aflita, suplicante.
não aguento mais, alio, não aguento mais!
alio esfriou por inteiro. o fogo se apagou subitamente. sentiu frio. sentiu uma vertigem. tombou. espalhou-se. encolheu-se. depois, pôs-se de bruços, esticou-se todo, inteirinho, dourado, a luz penetrava curiosa pelas frestas; ele abriu os braços em cruz e separou as pernas. de olhos fechados.
uma lágrima iluminou seu rosto e tombou.
teófilo sentiu uma faca mexendo em seu coração. não tinha forças para executar o sacrifício. não queria sacrificar o jovem.
alio! alio! por favor!, por favor! eu não… vou… sacrificar você. vire-se pra mim! vire-se pra mim!
e virou-o, tentou virá-lo, levantou seu peito, ele pesava, ele estava como morto, 
alio, alio, ajude-me, eu não aguento você, vire-se pra mim…
alio estendeu-se. o olhar de vidro.
o olhar de vidro.
teófilo beijou seus olhos fechados.
segurou seu membro encolhido, ave trespassada pela sua própria flecha. fez da mão um bálsamo, acariciou-o nos testículos, não conseguiu que o deusinho morto ressuscitasse. levou o rosto, colou sua boca, sugou os ovinhos que se torciam desesperados, machucou os mamilos com as unhas, engoliu o dragãozinho, mordeu-o, sugou-o, atraiu-o para dentro de si e sentiu acordar a divindade e com a língua e os dentes,
com a respiração enlouquecida
com o peito em brasas
com uma morte e uma vida instaladas na sua cabeça
mordeu a glande de alio
mordeu a virilha
mordeu os testículos
mordeu a coxa
e alio se levantou furioso
e segurou-o violento
e atirou-o fora do leito
e ele se esticou no chão frio
e abriu os braços
e afastou as coxas
e alio segurou-o nas nádegas
abriu-as
demorado
aproximou-se
arfando
ar
fan
do

e penetrou decidido
e lento
e as carnes
de
teófilo
rebentaram
uma
dor
tremenda
uma
faca
dilacerou
seu
coração
e ambos sentiram
crescer
crescer
crescer
e crescer
alguma coisa por dentro
que subiu
e
explodiu
no fundo do universo
e o universo escureceu
teófilo
alio
não eram dois.
e a dor era prazer
e o prazer era único.
teófilo desfaleceu
e tombou.
alio deixou-se dentro, esqueceu-se dentro, queria ser dissolvido.
depois se sentiu expulso do paraíso pela espada flamejante do anjo e era desagradável e apertado abandonar o jardim das delícias que ainda se comprimia mas a expulsão era implacável e quando sentiu o limiar estreito e quente a estrangulá-lo foi como se sua alma saísse do ventre materno e sentiu vontade de chorar de alegria.
mas teófilo gemeu porque novamente as carnes foram rasgadas e o sacerdote novamente cortara um pedaço do seu coração para oferecer ao sol, no alto da pirâmide de ossos
mas alio procurou aquela boca de sonhos que o queimava como brasa viva
mas teófilo não sentia a outra boca, sentia algo já frio que o tocava, como a pele de um réptil
E alio mordeu de leve meu lábio
E ele levemente mordeu meu lábio
e se abandonaram sobre o chão como cadáveres sagrados, um ferido, outro esgotado
os dois, iluminados por uma luz fantasma
embriagada
viva
que lambia os corpos em total dormência
e penetrava pelos poros
carbonizando-os lentamente
e os transformando
em poeira de ouro.

um passarinho piou lá longe.
uma vaca mugiu triste.
o chão esfriou de repente e eles se levantaram, tropeçantes, abraçaram-se como dois agonizantes que ainda teimam em continuar vivos
desabaram no mesmo leito, misturados, confundidos.
u’a mão puxou a manta.
encolheram-se um dentro do outro.
úmidos.
dois filhotes indefesos, mal nascidos, molhados ainda, inteiramente molhados.
dois olhares doces se olhando
dois sorrisos sonolentos
um bocejar
outro bocejar.
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