GIL VICENTE 44. COMÉDIA FLORESTA DE ENGANOS (1536)

Resumo:

Entra um Filósofo acorrentado a um Parvo; é uma punição, porque ele repreendeu alguns ignorantes. Anuncia os enganos que a platéia assistirá. A partir daí segue-se numa salada mista uma sequência de fatos mitológicos e episódios populares. Num resumo, pode-se dizer que quem quer enganar acaba sendo enganado. Um escudeiro, fingindo-se de Viúva, engana um Mercador que queria enganá-lo. Cupido, que está apaixonado por uma princesa persa, engana Apolo que engana o rei Telebano, pai da princesa. O rei, para salvar seu reino, engana a filha e a abandona na Floresta de Enganos. Cupido a acorrenta, mas ela, através de astúcia, faz com que ele a solte e se acorrente. Quando o rei abandonara o reino, para levar a princesa à floresta, deixou em seu lugar o “doctor Justiça Maior do Reino”, para que este o substitua no reinado. Este doutor é visitado por uma moça, encanta-se com ela e segue-a, sendo ridicularizado por ela, perdendo suas roupas. Chegam à floresta o Príncipe de Grécia, acompanhado de cinco duques. Lá chegou porque foi guiado pela Ventura. Apaixona-se pela Princesa e a Ventura faz o casamento.

GV141. Parvo

Allevantaste, panadera,
Si te has de llevantar
Que un fraile dejo muerto.
No traigo vino ni pan.
Apiahá, apiahá, apiahá.

(cantam Gerson Marchiori, Graciano Santos e Rubem Ferreira Jr.)

… Moça (V. GV052, em Cortes de Júpiter)

Enganado andais, amigo,
Comigo.
Dias ha que vo-lo digo.

(canta Carmen Ziege)

GV142. Todos

Muéstranos por Dios, Ventura,
En esta sierra tan bella
Las venturas que hay en ella.

(cantam Carmen Ziege e Jorge Teles)

 

Comentário:

Esta, a derradeira obra de Gil Vicente, é um típico divertissement cortesão. Gil Vicente, já maduro em seu estilo, cria situações dramáticas, cômicas, patéticas, equilibrando-as. Explora a linguagem de cada personagem. Sua ironia é suave e não se observa rancor na sua crítica (ainda que diga Apolo: “o rezar não vale tanto quanto fazer o que se deve).
Um detalhe curioso dessa peça, que já apareceu em peças anteriores, mas que aqui rege um clima de grande espontaneidade, é a mistura do espanhol e do português. Os personagens sempre se exprimem na sua língua – nobres e deuses em castelhano e os rústicos em português. Mas algumas vezes o diálogo é bilingue. Exemplo: Copido: Qué has? Pastor: Estou namorado. Copido: De quien? Pastor: Que sei eu de quem, senão que o amor me tem o coração apertado. … Copido: Se desta pena te sacas, tu vivir muy mal se emplea.”
O Prólogo é interessantemente apresentado. Em lugar de um personagem, o autor faz entrarem dois, um acorrentado ao outro, criando uma alegoria relacionada com um provérbio da época: “Se queres matar um homem prudente, ata ao seu pé um ignorante”. Isto me lembra uma pintura de Pieter Bruegel (1525?-1569), meio contemporâneo de Gil Vicente, que fez a descrição pictórica de provérbios. Vê-se um largo espaço de uma aldeia, cheio de pessoas em pequenos grupos, às vezes em dupla ou sós, demonstrando provérbios conhecidos na época (há outra pintura do mesmo autor ilustrando dezenas de brincadeiras infantis).
O episódio do Doctor Justiça Maior do Reino é a dramatização de um dos contos da obra “Cent Nouvelles Nouvelles”, do século XV, que é uma imitação do Decameron de Boccaccio (1313-1375), acrescentada de temas vindos de outras fontes, como fabulários e novelas de Poggio Bracciolini (1380-1459).

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