Alma desdobrada

Descartes

Nota: Quando fiz a última revisão deste livro, para publicaçáo neste saite, cortei trechos, por considerar que estavam fora do contexto do livro em geral. Em 27.06.2024 descobri papéis avulsos com o material rejeitado. Reli tudo e percebi que há alguns momentos com um certo brilho, tão só porque são indícios precisos daquela fase de revisão existencial que me aconteceu em 1981, há quarenta e três anos atrás. São opiniões, comparações, discretos delírios, observações já desatualizadas… Repito que isto foi escrito em 1981, em 1980 tinha passado três meses na Europa.

        Conservei a ordem da sequência original, mas, aqui, os números nada significam:

 

068 – estou esperando o metrô numa qualquer estação de paris. nunca se viu tanta eficiência assim. o metrô em paris é barato e rapidíssimo. a gente toma o trem, salta, faz conexões, salta novamente, sobe as escadinhas e já está a dois ou três quarteirões do local onde se quer ir. então eu penso: é barato e rápido, para que os operários não se atrasem nos seus trabalhos. a eles não é dado o direito de ver a luz do sol lá em cima. caminham pelos túneis dias e dias. eles não vivem em paris, vivem nos túneis, como minhocas, e nos empregos, como ratos amestrados.

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Alma desdobrada

Descartes Nota: Quando fiz a última revisão deste livro, para publicaçáo neste saite, cortei trechos, por considerar que estavam fora…

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Alma desdobrada, cap 284, 285, 286, 287, 288, 289 e 290. (final)

Alma desdobrada, capítulos 284, 285, 286, 287, 288, 289 e 290. (final)

 

284.

          quando comecei a escrever alma desdobrada, veio-me a ideia de escrever o que chamaria de os dez dias que não me abalaram em nada, anotações minuciosas sobre os próximos dez dias de minha vida. e isto foi feito. resolvi incluir aqui alguns trechos, em ordem cronológica. abandonei o resto.

          lembrei-me então de escritos avulsos.

          estes escritos seriam: poemas antigos, cartas a Y…, cartas a Z…, a história do sensato, a novelinha em que sou sequestrado por visitantes de outro planeta, algo que se chamaria eu e tu, quem matou garcia lorca?, e uma parábola.

          resolvi queimar tudo. sobraram três poemas e a história do duende.

 

285.

          dentro do caos, todas as ordens são ordens.

          tenho direito ao caos porque já me organizei. esse prisma não admite ponto de vista. as associações de assunto são libérrimas.

          por minha liberdade, ainda uma vez.

          eu me perdoo todas as repetições deste livro. eu me perdoo tudo neste livro. eu me perdoo este livro.

 

286.

          meu pai, me dê a mão, agora. quero você do meu lado, porque sinto chegar a hora de deixar a terra deste livro.

 

287.

          você, mãe, deste outro lado.

 

288.

          e agora, de mãos dadas com dois fantasmas sagrados, eis-me no limiar de alma desdobrada. não falei tudo. arranquei espinhos e teci guirlandas de rosas.

          abri minha alma diante de mim mesmo, como um deus que se desdobra.

          contemplei escondidas vergonhas e dores acobertadas e pequeninas glórias quase esquecidas.

          convivi com meus fantasmas. não me livrei deles; para isso, seria preciso ser de outra estirpe de deuses, que não aquela a que pertenço. mas, se deles não me livrei, tornei-os, com esse convívio, amigáveis e inofensivos.

          fantasmas saudosos são aqueles que eram assustadores demônios.

 

289.

          eu me dobro novamente, para voltar à convivência com as outras gentes.

          têm eles sempre coisas a aprender e a ensinar.

          e nada mais.

 

290.

          eis, então, o momento em que estas coisas se calam dentro de mim.

 

curitiba, 10.11.1982.

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